domingo, 15 de março de 2009

Arneiroz - Aonde a arte nos leva


Tarde quente de um sábado de fevereiro. Ruas vazias na pequena cidade de Arneiroz, região dos Inhamuns. Além da temperatura média de 28º na sede do município, há poucos atrativos naquela hora para a população em torno de sete mil habitantes. Em uma casa modesta afastada do Centro, componentes do grupo de teatro Arte Jucá se preparam para fazer uma apresentação improvisada a convite da equipe de reportagem.

Enquanto compõem os personagens através da introdução da indumentária cênica, do lápis na sobrancelha e da nova máscara facial que faz o "cavalo descer" e atuar, os atores falam da relação que o grupo mantém com os moradores. "Há uma proximidade da cidade com a gente. O público de Arneiroz já é crítico", explica Mazé Cavalcante, presidente do grupo. "Definimos o nosso teatro como teatro afetivo. É visceral, porque é feito para o público e com o público, na rua", completa Robson Cavalcante, ator e diretor artístico.

Não é preciso esperar muito para entender que o Arte Jucá se confunde com um processo de transformação pela cultura que vem sendo vivenciado pelo município. O grupo mesmo, tem sido alvo de monografias de estudantes universitários da região. Já prontos para a apresentação, começamos a caminhar pelas pequenas ruas de calçamento irregular até a praça central aonde farão a improvisação.

O calor não é empecilho para quem carrega no corpo as roupas pesadas que em breve se tornarão leves quando o espetáculo ganhar forma. Nas ruas, a intimidade do artista com o público abre espaço para perguntas sobre famílias locais. No trajeto, crianças e adultos cumprimentam com orgulho os representantes da cidade que agora são alvo de fotos e entrevistas. Na praça, aos poucos, expectadores vão chegando para acompanhar. Nas casas, janelas se abrem.

A história dessa movimentação artística na cidade começou em 1994 quando as escolas públicas iniciou uma série ações além da formação convencional, destaca Robson. É a partir daquele ano, segundo o ator, que os estudantes começam a ter contato com a linguagem mais elaborada. Em 2000, o teatro ganha força na escola municipal Maria Dolores Petrola. "Essa iniciativa transpôs os muros da escola porque muitos alunos estavam deixando os estudos e nasce o Arte Jucá", afirma Mazé.

O Arte Jucá é considerado hoje uma referência de cultura do Ceará, tendo ao todo 82 pessoas envolvidas com diversas linguagens. Na esteira do grupo, surgiram o CIA Jucá de Dança Contemporânea, Caboko M (Música Cabaçal), Reisado Mestre EMA, Mazé e Banda (MPB), e a miniorquestra O Bando. Robson explica que isso foi possível porque o grupo trabalha em duas vertentes, que são a profissionalização e a formação de platéia. Um dos projetos se dá na Escola Maria Dolores Petrola, com o desenvolvimento de um laboratório de arte compartilhada, onde a idéia é unicamente fazer a experimentação da arte.

A apresentação se encerra e é preciso deixar a cidade. Na despedida, uma certeza. O movimento artístico na pequena cidade dos Inhamuns é prova de que o cearense é capaz de superar o determinismo socioeconômico. A palavra Arneiroz, que teve sua colonização iniciada no começo do século XVII, origina-se de uma antiga freguesia de Portugal, que significa terreno estéril ou arenoso. Ali, 300 anos depois, pelo lúdico, se deu o contrário. E se for verdade, que quando se quer saber para onde caminha a humanidade, deve-se mirar na arte, Arneiroz já traçou o seu destino.

Notinhas

- Na cidade, além do Arte Jucá, outros grupos estão produzindo arte, destacando-se o Jumbalaia Company (dança com estudantes até a 4ª séria), Muquiarte (teatro, circo e música), Planalto Arte e Cultura (teatro), e o Figueirarte (teatro). Segundo Robson Cavalcante, o interesse de jovens por fazer parte dos grupos tem gerado uma demanda reprimida dos jovens.

- Em 2003 foi criada a Associação dos Amigos da Arte, Ciência e Cultura de Arneiroz, que passou a subsidiar o Arte Jucá. Com ela o grupo obteve apoio legal para buscar recursos visando a execução de projetos. Também fortaleceu a relação com a cidade. Hoje são 200 sócios que contribuem mensalmente. Isso permitiu uma atividade intensa todo o ano utilizando as linguagens do teatro, da dança, música, audiovisual e folguedos populares, além da participação e viagens fora da cidade e do Estado.

- O município de Arneiroz foi criado em 14 de março de 1957, através da Lei Nº 3.554. O seu processo de colonização, porém, remonta a primeira década do século XVIII. Os irmãos Francisco Alves Feitosa e Lourenço Alves Feitosa foram os pioneiros da colonização dos Inhamuns, fazendo com que Arneiroz fosse um dos primeiros lugares colonizados nos Inhamuns. A colonização dos Inhamuns está diretamente ligada a Freguesia de Arneiroz, em Portugal, cujas terras pertenceram à capela de São Mateus (Jucás). Desse processo originaram-se várias disputas, envolvendo famílias em locais diversos, dentre estes clãs do tronco Feitosa e Monte e a dizimação da tribo dos índios jucás.

Frase
"Ceará tem figuras impressionantes. Maravilhosas, do ponto de vista dramático"
Ana Miranda, escritora

Fonte: Jornal O Povo

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