ODE AO MEU CEARÁ MOLEQUE
Por Astolfo Lima
"O sertanejo é, antes de tudo, um forte". Ao esculpir a preciosa frase, Euclides da Cunha sintetizava a bravura dos habitantes de uma terra inóspita, povo valente e bom, que ama como ninguém o seu torrão natal, mas que, muita vez, se obriga a correr mundo para refugiar-se da seca implacável. Dessa região, é o cearense, talvez, o que melhor representa esse destemor, aliado a um espírito nômade como tão bem já retrataram nossos poetas Antonio Sales (Aves de Arribação), Jáder de Carvalho (Terra Bárbara) e, sobretudo, Gerardo Melo Mourão em suas belas Odisséias, onde narra a saga de sua (e minha também) desbravadora família a esquadrinhar cada centímetro de chão estéril, para demarcar posições, impor-se pelo bacamarte – se necessário fosse –, até que construísse, por fim, o país dos Mourões - essa vértebra sacra do sertão nordestino. Somos, pois, um povo inquebrantável sob todos os aspectos. Destemido, criativo; único. Estamos presentes de forma marcante nos mais auspiciosos fatos que delinearam a Geografia Humana e Cultural desta terra brasilis. É nosso, por exemplo, o pai do romance brasileiro - José de Alencar -, que, sem alarde ou pretenso vezo inovador, lapidou a virgem dos lábios de mel e nos inseriu em um contexto literário genuinamente nacional. Da mesma forma nosso o genial Capistrano de Abreu, historiador maior do Brasil Colônia e base fundamental para todas as demais pesquisas que resultariam de seus estudos; ou Clovis Beviláqua, jurista notável que organizou os Códigos da Lei Brasileira. Somos, sobretudo, pátria de Cícero Romão Batista, um visionário fundador de cidades que também redimia o pecado alheio, e de Antonio Conselheiro - outro peregrino que igualmente consolava os aflitos e semeava esperanças por esses chapadões de meu Deus. Não menos nosso é Chico da Matilde, o jangadeiro abolicionista que se notabilizaria como Dragão do Mar ao recusar-se a transportar para os navios negreiros, os escravos vendidos para o Sul do País, ensejando a que fôssemos nós a primeira província a abolir a escravidão. E nossas são, com muito orgulho, Jovita Feitosa e Bárbara de Alencar, dois extremos de uma mesma sociedade, porém rigorosamente iguais na bravura e força de caráter, porque no meu Ceará não tem essa de o Herói ser apenas aquele que habita as classes mais privilegiadas Ah, Brasil! Nem um milheiro de blogs semelhantes a este seria suficiente para expor a grandeza do meu povo, para falar de sua Arte e seus artistas, seu folclore, sua música. De Alberto Nepomuceno a Eleazar de Carvalho, Lauro Maia a Humberto Teixeira, passando pelo Pessoal do Ceará (Fagner, Belchior, Ednardo e Fausto Nilo), por exemplo, legamos algumas das mais belas páginas do cancioneiro deste pais, seja no campo erudito ou popular. Fizemos, de quebra, a melhor TV ao vivo do Brasil, quando ainda não havia videoteipe por aqui. Fomos e somos, enfim, uma colossal fábrica de astros e estrelas da maior grandeza; berço de renomados juristas e médicos da envergadura de um Rodolfo Teófilo, que percorreu quase o estado inteiro no lombo de um barro, para vacinar os desventurados que morriam à míngua. Ser cearense, portanto, é, antes de tudo, um estado de espírito - como já referiu alguém com relação ao carioca. Eu diria mais: é uma obstinação, um orgulho bom, uma vaidade amena. Se por ventura ou desventura um maluco qualquer resolvesse fragmentar o Brasil em várias repúblicas, evidente que não ficaríamos em desvantagem com relação às demais. Erra grosseiramente quem supõe que somos não mais que um apêndice a sobreviver das migalhas do decantado sul-maravilha, ou simplesmente das benesses governamentais. Detemos, isto sim, uma terra abençoada por Deus e muito cobiçada pelos senhores e senhoras que habitam o moribundo centro nervoso das grandes metrópoles internacionais: temos um mar delicioso, um sertão que, pouco a pouco, vem adquirindo nova feição; serras onde as flores cheiram mais, e abrigamos o povo mais hospitaleiro de toda essa vasta região. Quer mais?
Fonte: http://cearaterradosol.blogspot.com
