domingo, 15 de março de 2009

Nova Olinda - Talhado no Couro


Espedito Seleiro se perde e se acha entre sua obra: chinelos, bolsas, gibões, chapéus, sela e selins, cordas de laçar e chicotes. A oficina é perfumada de couro. Tem marrom em vários tons. Que vem do gado abençoado que o mestre respeita e usufrui. Na parede, o desenho de Lampião e Maria Bonita, ornados e protegidos pela pele do boi, para que fugissem das volantes matagal seco adentro. Também tem São Jorge, Frei Damião e Santo Expedito. "Meu nome é com S, porque não sou nem americano".

De tanto abonitar os arreios e selas dos vaqueiros, ganhou o sobrenome artístico. O batismo é Espedito Veloso de Carvalho. Tá nos 68, cheio de orgulho do que já criou nesta vida de gado. Viu tanto o pai e o avô talhando o couro, desenhando, criando em cima da pele do bicho, que aprendeu. Os três filhos também sentiram a fragrância e se encantaram. Se você não puder ir a Nova Olinda, o jeito é ir para a Internet (www.espeditoseleiro.com) ou ligar (88)3546 1432. O mestre Espedito Seleiro acha que não, mas já é uma grife faz tempo.


O POVO - O senhor é devoto de Santo Expedito?
Espedito Seleiro - É o meu santo de fé. Tem o meu mesmo nome. Acho que até hoje ele me ajuda. A pessoa tá com 68 anos, sadio, que não caiu de nenhum cavalo, acho que meu santo é protetor, não é? Mas também gosto de visitar São Francisco, lá de Canindé. Também vou rezar no Padre Cícero todo ano. Eu mesmo faço minha romaria e vou.

OP - Por que o senhor acha que é importante manter e ensinar um trabalho como o seu de geração para geração?
Espedito - Acho que tem tudo a ver com o nosso Ceará, nosso sertão, nosso lugar. Eu, por exemplo, via meu avô trabalhando nisso aqui para se manter. Além de servir para você se manter e sua família, é uma tradição que alguém que não conhece chega aqui para ver um chapéu. Dá muita gente de fora. Acha bonito, mas se a gente não disser que é chapéu de vaqueiro, não sabe. É por isso que a gente mantém até hoje.

OP - Para o senhor, o que é essa sabedoria do fazer? O que representa essa sua arte?
Espedito - Acho que a gente já nasce aprendido. Não tem aula disso aqui. Eu que já dei muitos cursos por aí afora, é difícil o cara aprender. Mas eu já nasci dentro da oficina, vendo meu pai fazer e aprendi. Com os meus filhos, do mesmo jeito. "Casa de pai, escola de filho". Se não tiver um sanguinho de vaqueiro, não é vaqueiro nunca.

OP - O senhor foi vaqueiro?
Espedito - Não, meu pai que era. Que aprendeu a fazer os equipamentos para vaqueiro com o pai dele. Eu aprendi também algumas coisas com meu pai.

OP - O senhor teve instrução completa na escola?
Espedito - Não. Estudei só o suficiente. Ler um pouquinho, escrever umas coisinhas. Não tive muito tempo de estudar, não.

OP - A sua faculdade foi o couro?
Espedito - É, foi o couro.

OP - Mais seu pai, avô e bisavô?
Espedito - É uma herança que ninguém nunca tomou.

OP - O senhor é um homem rico, então, com isso aqui?
Espedito - Eu me considero rico, sim. Porque nunca fui empregado de ninguém, um caboco nunca mandou na minha vida nem eu mandei na vida de ninguém. Um bocado trabalha comigo, mas eu não mando na vida de ninguém, só faço pedir.

OP - O senhor chegou a pedir para seus filhos virem trabalhar aqui?
Espedito - Eles já nasceram dentro da oficina. Estudavam e trabalhavam. Eu, como nasci no sertão dos Inhamuns pracolá, o cabra estudava a carta de ABC num pedaço de pau. Eu não tinha tempo de aprender.

OP - São quantas horas por dia na oficina?
Espedito - Eu me levanto da cama às quatro e vou dormir às dez da noite. Se tiver a quem vender, tô vendendo. Se não, tô trabalhando.

OP - E esse perfume que sai do couro?
Espedito - Pra mim, é uma saúde. É um cheiro doce e abençoado. É o couro do gado. Você sabe que gado é abençoado, né?

OP - O senhor compra o couro onde?
Espedito - Direto do curtume. Compro em Juazeiro do Norte, Juazeiro da Bahia e Campina Grande. Não gosto de ver o gado sendo morto, mas vivo dele. Os outros exploram e eu termino. A riqueza do sertão é essa mesmo.

OP - O que é Nova Olinda para o senhor?
Espedito - É tudo na minha vida. Cheguei aqui em 1951, tinha entre 8 e 10 anos. Nasci em Campos Sales. Meu pai voltou pro sertão, foi ser vaqueiro lá em Assaré e eu fiquei. Comecei fazendo só sela, gibão, chapéu, equipamento pra vaqueiro. Tinha bastante encomenda. Todo mundo na época tinha que ter um cavalo gordo na roça e uma sela boa que Espedito Seleiro fazia.

OP - E o senhor ainda quer ficar quanto tempo fazendo esse trabalho?
Espedito - Eu acho que enquanto puder trabalhar e tiver um pouco de saúde, fico aqui mesmo. Pra ir embora daqui, também não vou. Já teve quem me oferecesse um prédio com maquinário completo para eu ir pra São Luis. Não vou de jeito nenhum. Acho bom é o cara de São Luis vir aqui pra comprar de mim. Que é pra ajudar a mim e ao pessoal da cidade. Não é bom assim?

OP - E o senhor participou de um desfile?
Espedito - Fui para o desfile da Cavalera (grife de moda), no São Paulo Fashion Week. Fiz as peças para o desfile, eles me convidaram para assistir e eu fui. Também desfilaram com umas roupas minhas na Mangueira.

OP - O senhor sabe que também já uma grife?
Espedito - (Risos) Sei não.

OP - Já vende pro Brasil todo?
Espedito - Até pro mundo inteiro.


FRASE:
"O cearense tem muito o que nos ensinar", cardeal Aloísio Lorscheider, ex-arcebispo de Fortaleza

Fonte: Jornal O Povo

Um comentário:

Alexandre L'Omi L'Odò disse...

Gostei muito da entrevista. Parabéns.
Acredito que foi este senhor que expôs na FENEART em Pernambuco recentemente. Preciso ver se é ele, pois preciso do contato, quero um gibão dele.

Se alguém tiver, ou se realmente for ele mesmo, me avisa ok.

Muita fumaça de nossa Jurema.

L'Omi.

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