domingo, 28 de fevereiro de 2010

´PRINCESA DO NORTE´ Sobral é referência para a história do Ceará.


Outro local turístico da “Princesa do Norte” é a Coluna da Hora, que fica localizada em uma praça da cidade

A história do Ceará passa, obrigatoriamente, pelo surgimento e fundação da famosa “Princesa do Norte”

Fortaleza. “A vaidade e o orgulho são coisas diferentes, embora as palavras sejam frequentemente usadas como sinônimos. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. O orgulho se relaciona mais com a opinião que temos de nós mesmos, e a vaidade, com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós”. A frase da escritora inglesa Jane Austen talvez seja a melhor definição para o município de Sobral, localizado a 230 quilômetros da cidade de Fortaleza e considerada a mais importante da região da Zona Norte do Estado do Ceará.

Por um lado, Sobral é uma cidade que, por suas características aristocráticas e monumentos um tanto inusitados (como o Arco do Triunfo erigido, em 1953, pela passagem da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima por Sobral) gera uma série de mitos sobre si e seus habitantes.

Importantes nomes

Mas, também, é um lugar que pode se orgulhar de ser o berço de nomes importantes como o escritor Domingos Olímpio, o Padre Ibiapina, a abolicionista Maria Tomásia Figueira Lima e, mais recentemente, o pintor Raimundo Cela, o humorista Renato Aragão, o músico Belchior e o político Cid Gomes, atual governador do Estado. Além disso, sediou eventos importantes como a constatação da Teoria da Relatividade de Albert Einstein, por meio de um eclipse lunar observado na cidade, em 1919.

No entanto, a história de Sobral, que detém o singelo título de “Princesa do Norte”, é bem mais antiga e complexa. De acordo com o historiador e padre Francisco Sadoc de Araújo, a ocupação das terras compreendidas entre o Rio Acaraú e a Serra da Meruoca acompanha o típico processo de colonização do interior do Nordeste.

Conforme ele explica, “O Vale do Acaraú é a segunda maior bacia do Ceará, e naquele período era impossível ocupar o sertão sem ter a garantia de uma fonte de água próxima. A proximidade da serra era um atrativo a mais, já que de lá se podia obter frutos, o que já era feito pelos indígenas que ali viviam, predominantemente os Jês”.



Arco do Triunfo foi erigido em 1953, pela passagem da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima por Sobral


Sesmarias

Segundo ele, a região foi dividida em sesmarias, concedidas a portugueses que deveriam ocupar as terras do Novo Mundo. “Teve o Manoel Goes, que perdeu parte das sesmarias por não tê-las ocupado. Ele trabalhava com a criação de gado e trouxe os parentes para cá. Mas foi Félix da Cunha Linhares, no fim do século XVII, que construiu a capela de São José da Mutuca, a primeira da região”. Sadoc de Araújo explica que capelas e igrejas eram outro importante fator de ocupação, já que era na porta dos templos que os juízes afixavam avisos importantes e, ainda, ao redor delas que os moradores formavam as primeiras aldeias.

Igreja Matriz

Por volta de 1720, o sesmeiro Antônio Rodrigues Magalhães formou, na região onde hoje fica Sobral, a Fazenda Caiçara. Fixado inicialmente em Suipé (município de São Gonçalo do Amarante), ele se instala posteriormente na fazenda e doa terreno para a construção de uma igreja em honra à Nossa Senhora da Conceição, que daria origem à Igreja Matriz de Sobral e cuja santa será, também, a padroeira da cidade.

Com o aumento do número de comunidades na Colônia, o rei português, Dom José I, no ano de 1760, lança um edital para que qualquer povoação que alcançasse 50 fogos pudesse se tornar uma vila. “Fogos eram as casas que possuíam cozinha e, portanto, chaminé, sinal de que a família estava ali fixada”, esclarece o historiador. Assim, no dia 5 de julho de 1773, a comunidade formada em torno da Fazenda Caiçara é elevada à vila, chamada de Vila Distinta e Real de Sobral.

“Sobral foi uma das poucas vilas que tinham esse título de Distinta, dado a locais onde só havia brancos”, recorda. Já o nome de Sobral significa abundância de sobreiros, uma árvore de Portugal de cujo tronco se extrai a cortiça, utilizada para engarrafar vinhos e outras bebidas. “Para mim o nome vem da região portuguesa de Sobral da Lagoa, em Portugal, como uma homenagem à terra de muitos dos colonizadores”.

Fidelíssima

Em 1841, Sobral recebe o título de Fidelíssima Cidade Januária do Acaraú, por ter dado apoio político ao então presidente da província do Ceará, José Martiniano de Alencar (pai do escritor José de Alencar), contra uma tentativa de deposição. Porém, três anos depois, a cidade volta a se chamar Sobral.

É a partir do século XIX que Sobral ganha destaque econômico e cultural. Além do proeminente comércio, a cidade fez parte da chamada “civilização do couro”, exportando o produto por meio do Porto de Camocim. É por conta desse comércio que é instalada a primeira estrada de ferro do Ceará. Na segunda metade do século XIX, o desenvolvimento de Sobral chegava a superar o de Fortaleza. “Era pelo Porto de Camocim que chegavam as novidades da Europa, e Sobral experimentava tudo isso primeiro”, comenta o historiador e padre Francisco Sadoc de Araújo.

As famílias mais abastadas tinham acesso à “última moda”: porcelanas, lustres, vestidos, livros, pianos, máquinas de costura, entre outros. Os sobrados eram construídos seguindo a arquitetura de Recife e São Luís, com janelões e azulejos. Em 1877, as corridas de cavalos à moda londrina têm lugar no Jockey Club de Sobral, depois chamada de Derby Club. “Apesar de não ser aceito, este foi o primeiro jockey club do Brasil”.

Atualmente, Sobral se destaca pelo comércio e pela indústria, que fornece produtos como cimento e calçados. O período áureo de abastança já se foi, mas a cidade mantém a aura de imponência e orgulho de sua trajetória e realizações. “Não é uma questão de bairrismo, e sim de orgulho. O sobralense tem essa coisa de sempre tentar ser melhor em tudo. Pode até não ser o melhor, mas se esforça para ser. Mas o fato é que a cidade sempre teve um papel hegemônico, não é problema de vaidade”, defende o historiador Sadoc de Araújo.

LIGAÇÕES AFETIVAS

Orgulho de ser cidadão sobralense



Quem é ou mora na cidade de Sobral, faz de tudo para mostrar o amor e o carinho pela sua terra natal

Fortaleza. Para quem é de fora, a característica mais marcante do sobralense é o sentimento de pertença em relação ao município, que chega muitas vezes a ser visto como exacerbado, quando não um indicativo de arrogância e de pretensa superioridade. Trocando em miúdos, "sobralense se acha", no dizer popular. No entanto, as ligações afetivas formadas entre os habitantes com suas cidades são bem mais complexas do que as máximas do anedotário podem comportar.

"Em qualquer município existe este sentimento de pertença da população, mas, no caso do município de Sobral, isso se tornou uma política pública a partir da mobilização pelo tombamento da cidade, no fim dos anos 90", esclarece Nilson Almino de Freitas, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e autor da tese de doutorado, "O Sabor de uma Cidade: práticas cotidianas dos habitantes de Sobral".

Percepções

Segundo ele, a pesquisa busca identificar as diferentes percepções sobre a cidade de Sobral, principalmente daqueles que vivem na periferia da cidade, e tem como objeto depoimentos orais de quem vive ali.

"No ano de 1995, quando vim de Fortaleza para cá, para trabalhar na Universidade Estadual Vale do Acaraú, uma coisa que me chamou a atenção foi essa ´sobralidade´, que, no entanto, é um conceito indefinido, impreciso. É possível perceber que esse sentimento de pertença se desenvolve a partir do lugar onde as pessoas falam. A relação de uma pessoa que mora no Centro ou que possui gerações da família vivendo aqui é diferente, por exemplo, do sentimento de quem vem de outras cidades ou vive na periferia. Nesses dois últimos casos, mesmo passando a se sentir um integrante do lugar, as ligações com o bairro e a comunidade costumam ser mais valorizadas do que com a cidade", comenta.

Na época também foi iniciada a luta para que o município de Sobral fosse tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o que deu grande visibilidade ao município e também induziu a execução de políticas públicas em prol da preservação, com restaurações e obras de infraestrutura. Porém, as "benfeitorias" realizadas na cidade no período não eram vistas da mesma forma pelos diferentes grupos sociais.

Contraste

O contraste já começa entre as margens esquerda e direita do Rio Acaraú, berço da cidade: da primeira, urbanizada e detentora de equipamentos culturais, como o Museu Madi e a Biblioteca Pública, avista-se no outro lado um bairro de periferia, o Dom Expedito, algo contraditório com a perspectiva de beleza e ordem que se tentava imprimir ao local.

"As obras de urbanização da margem esquerda do Rio Acaraú causaram muita polêmica no período, porque a justificativa da Prefeitura era a de revitalizar o espaço", disse o professor.

De acordo com ele, "antes da urbanização, havia um banco de areia nas margens e a comunidade que vivia ali utilizava o espaço como praia nos fins de semana. As lavadeiras também secavam as roupas no local. Um pai-de-santo que eu entrevistei contou que ele realizava as festas de Iemanjá na margem do rio e não concordava com a ação". Ele ainda questiona, "então, como revitalizar um espaço que era, de fato, utilizado?".

Insistência

Mesmo depois das obras, muitas lavadeiras insistem em secar as roupas no local, onde hoje há um verde gramado. E os canoeiros, com suas rústicas e simples embarcações, continuam a fazer o transporte de pessoas entre as margens do rio parcialmente perenizado, dividindo espaço com os jet-skis.

Para Nilson de Freitas, apesar das obras terem buscado contemplar a cidade como um todo, não é difícil identificar dois tipos distintos de política para o Centro e para os bairros. "No Centro, percebe-se uma preocupação com a preservação dos sobrados, dos prédios antigos e das igrejas. Na periferia, o foco é no saneamento e na organização das ruas. Não que essas ações não sejam importantes, mas e a preservação? No Bairro Terrenos Novos, existe o Açude Mucambinho, que foi construído na mesma época que o Açude Cedro como parte de ações de combate à seca de Dom Pedro II. Apesar disso, o açude não foi tombado e não há qualquer indicação da importância daquele local", lamenta o professor.

Polêmica

Outra polêmica envolveu uma das principais praças do município de Sobral, que foi reformada e ganhou novo nome. Conhecida popularmente como Praça da Meruoca, onde funcionou por muitos anos um comércio de ambulantes, a Praça General Tibúrcio foi transformada, no final de 2004, em Praça de Cuba, fruto de um Convênio de Cooperação Cultural e Científico celebrado entre Sobral e a província de Havana. Segundo Nilson, muitas pessoas criticaram a mudança de nome da praça. Dizia-se então que um herói nacional, filho da terra (General Tibúrcio nasceu em Viçosa do Ceará, estudou na "Princesa do Norte") seria preterido por um estrangeiro, no caso o poeta cubano José Martí, que ganhou uma grande escultura no centro da praça.

Para o professor da UVA, "todos esses casos demonstram que o sentimento em relação a uma cidade é bem complexo e que não há um consenso sobre essa pertença".


"ARQUITETO DE SOBRAL"
Dom José ajudou no crescimento

Fortaleza. Se Juazeiro do Norte tem o Padre Cícero como referência tanto religiosa quanto para a formação da cidade, em Sobral este papel coube a dom José Tupinambá da Frota. Primeiro bispo de Sobral, dom José foi responsável pela expansão e desenvolvimento da cidade a partir da introdução de equipamentos de cunho educacional, cultural e social, sendo ainda hoje bastante lembrado pelos sobralenses como o "arquiteto de Sobral".

Representantes de dois modelos distintos de atuação da Igreja Católica na formação do espaço urbano (originando, por conta disso, uma disputa de primazia entre os dois municípios que perdura até os nossos dias), a trajetória dos dois religiosos é objeto de estudo de "Cidades Sagradas: a Igreja Católica e o Desenvolvimento Urbano no Ceará (1870-1920)", tese de doutorado do historiador e professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Agenor Soares e Silva Júnior.

Para Agenor Soares, além do aspecto econômico, a formação das cidades cearenses está muito ligada à atuação da Igreja Católica, já que muitas concentrações populares se formavam em torno dos templos religiosos. "Antes de dom José assumir a Diocese, já havia uma forte presença religiosa na Região Norte, principalmente de padres seculares (que não são ligados a uma ordem ou congregação). Ele representa, portanto, uma Igreja que busca se reorganizar diante da introdução do Estado laico, e que passa a atuar sob a estrita tutela de Roma. Bem diferente do Padre Cícero, que exerce uma liderança vista então como independente", pontua ele.

Segundo o historiador, à época dos "milagres do Padim" e da fundação de Juazeiro, dom José Tupinambá defendia com veemência o fim do que considerava um reduto de fanáticos e que poderia vir a se tornar uma nova Canudos, em referência à cidade fundada pelo beato Antônio Conselheiro, na Bahia. Em contraposição a um movimento de religiosidade popular, o bispo investiu na expansão da cidade a partir de uma visão europeizada, um "mini Vaticano", segundo a expressão daqueles que conviviam com o bispo à época. "Há um redimensionamento da cidade, que passa a crescer para os lados da Lagoa da Fazenda, que foi parcialmente aterrada para dar caminho ao Seminário São José, e a Santa Casa, que fica do lado oposto. Não foi difícil, já que Sobral já tinha uma característica mais aristocrática. Houve um tempo em que os recursos da Diocese de Sobral eram maiores que os da própria Prefeitura", comenta Agenor Soares.

Apesar de nunca ter participado formalmente da vida política, dom José sempre teve uma forte influência nos rumos do município e conseguiu, inclusive, fazer prefeito o afilhado, padre José Palhano de Saboia. "Padre Cícero foi o primeiro prefeito de Juazeiro, mas estava mais preocupado com a questão religiosa do que com a administrativa. Os romeiros que passaram a ocupar e viver em Juazeiro é que deram a feição atual da cidade. Em Sobral, essa expansão foi mais dirigida a partir das instituições que ele fundou". E mesmo com o caráter filantrópico de várias delas, percebe-se que é uma política voltada para o controle social, promovendo uma cultura para os "de cima".

Opositores não foram muitos, mas pelo menos um deles deu dor de cabeça ao bispo: o jornalista Deolindo Barreto Lima, que atacava a Diocese e os inimigos políticos por meio do jornal "A Lucta". O jornal chegou a ser boicotado pela Diocese e seu diretor acabou sendo assassinado em 18 de junho de 1924 por inimigos políticos. "Na verdade, a questão entre dom José e Deolindo Barreto era mais política do que pessoal, já que este era do Partido Democrata e anticlerical convicto. O fato é que dom José conseguiu imperar e manter sua posição até a morte. Os demais bispos que o seguiram não tiveram a mesma importância para os sobralenses", finaliza.


Fique por dentro
Obras do religioso

Filho de uma família abastada, dom José nasceu no dia 10 de setembro de 1882. Estudou na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, onde recebeu o grau de Doutor em Teologia e Filosofia em 1902, com apenas 20 anos de idade. Antes de se tornar bispo (a Diocese de Sobral foi criada em 1916), foi vigário da cidade durante oito anos. Permaneceu no cargo até a morte, em 1959. Durante seus 43 anos de bispado, trabalhou principalmente na fundação de instituições e obras de beneficência, como o Seminário Dom José (que deu origem à UVA), os colégios Sant´Ana (para moças) e Sobralense (para moços), a Santa Casa de Misericórdia, o Museu Diocesano, o Abrigo Coração de Jesus (para idosos), além de veículos de comunicação como o jornal Correio da Semana (jornal mais antigo do Ceará em atividade) e a Rádio Educadora de Sobral.


Fonte: Jornal Diário do Nordeste

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Deus salve a rainha ... do maracatu



O Maracatu só existe por causa dela. Com roupa sofisticada e muito carisma, a rainha negra é o grande destaque do desfile na avenida Domingos Olímpio

Débora mantém viva a tradição da família, Laudemir cumpre o legado do mestre e Fátima vive nova experiência. Histórias distintas os levaram a encarnar um mesmo personagem. Rainha de Maracatu. No Carnaval 2010, eles prometem brilhar na avenida Domingos Olímpio. Segundo a tradição, índios, calungas, baianas, pretos velhos e batuqueiros saem pelas ruas em cortejo para a coroação de uma rainha negra. O maracatu torna-se um momento mágico de louvações, com danças e brincadeiras, graças à presença da matriarca real.

Conscientes da responsabilidade em comandar o cortejo, é preciso reunir carisma, glamour e força física. A consultora empresarial Débora Lopes, 23, é rainha desde a fundação do Maracatu Nação Fortaleza, em 2005. Ela ainda era criança quando começou a brincar. Ao lado da família, mantém viva a tradição. E passou por vários postos na corte até chegar ao personagem central.

Com o rosto pintado de preto, tranças e vestida com a fantasia do último Carnaval, ela mostrava que mulher também pode ser rainha. Antes, somente homens ocupavam o cargo. ``A mulher ganhou espaço em todos os segmentos. No maracatu não poderia ser diferente``, afirma. Ela acrescenta que as vestes pesadas não interferem na apresentação. ``Na hora que estou dançando não sinto o peso ou o calor. O sangue ferve e aguento tudo. É só emoção``, afirma.

Este ano, o Nação Fortaleza homenageia Bárbara de Alencar, com o tema ``Bárbara: luz da liberdade``. A roupa está nos ajustes finais, e envolta em segredos. ``Nunca me deixam ver o vestido antes. A emoção é ainda maior porque só vejo todo pronto na hora do desfile``.

Reis de Paus
No Maracatu Reis de Paus, a rainha é o fotógrafo Laudemir Nogueira, 45. Sua relação com o Carnaval também vem desde criança - desfilou pela primeira vez em 1967. ``Sou de uma época em que era tudo muito simples. Comecei como índio, e as costureiras pegavam as penas das galinhas no quintal, lavavam e aplicavam nas vestimentas``, relembra. De índio, passou para princesa e depois rainha.

O responsável pela transformação foi o fundador Geraldo Barbosa. ``Ele estava me preparando para ser rainha, mas não me contava seus planos. Lembro que ele dizia que eu não poderia rodar. Só que princesa roda e eu não entendia porque ele me proibia``. Há uns dez anos, veio a revelação: ``rapaz, você vai ser a rainha esse ano``, disse o mestre.

E o ofício é conduzido até hoje. Este ano, ele e os outros brincantes do Reis de Paus saem com o tema ``Preto velho de Angola``, para comemorar os 50 anos do Maracatu. Com joelheira de tensão, sapato alto e uma fantasia de quase 100 quilos, Laudemir é um dos mais antigos no posto real. ``É só colocar a fantasia de rainha que eu me transformo. Fico mais comunicativo, carismático e glamuroso``, classifica.

E-MAIS

VIDA DE RAINHA
> Primeiro Carnaval de Laudenir Nogueira (vestido de índio).

> Faz parte da indumentária da rainha: saia e blusa bufante, leque, jóias, peruca, esplendor e rosto negro.

> Para o rosto ficar negro, os integrantes do cortejo usam uma maquiagem à base de vaselina, óleo mineral, talco e fuligem de lamparina.

> Elegância, força física, envolvimento com o Maracatu, aptidões artísticas e carisma são elementos essenciais para ocupar o posto de Rainha de Maracatu.

> Antigamente, o cargo de rainha era ocupado pelo homem porque a mulher era proibida de participar do Carnaval. Além disso, a estrutura pesada das fantasias contribuía para que o brincante fosse homem.

> Eulina Moura foi a primeira mulher a assumir o cargo de rainha, no Maracatu Verdes Mares.

Fonte: Jornal O Povo

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Dona do samba e senhora da alegria



Seja na Praia de Iracema, no bar que lhe tomou o nome emprestado; seja na Marquês de Sapucaí, desfilando de baiana pela União da Ilha, Dona Mocinha é o retrato da alegria e da folia do nosso Carnaval. Misturando risos e lágrimas, ela conversou com O POVO sobre esta festa que é, ainda hoje, uma das suas maiores paixões


Iraci de Souza Batista nasceu em 24 de dezembro de 1935 numa casa localizada na Rua Padre Climério, 140, na Praia de Iracema. Filha de José Batista e Maria Amélia, foi o pai, sempre lembrado pela educação rígida, quem lhe deu o apelido que serviria para toda a vida, Mocinha. Era a forma dele dizer o quanto ela era prestativa nos afazeres de casa. ``Meu pai dizia assim: -Ai, que é uma mocinha-``, lembra, sem esquecer o orgulho.

Dona Mocinha (agora com letra maiúscula para reafirmar a nova identidade) foi uma entre os 24 filhos do casal, dos quais somente sete vingaram, ela, Isabel, Elisa, Alice, Francisco, Francisca e Iracema. Casou com apenas 15 anos e, logo no ano seguinte, foi mãe pela primeira vez: de Raulina, professora aposentada, que hoje ajuda a cuidar da mãe. O segundo viria aos 20 anos, Raulino, que é o responsável pelo Bar da Mocinha, montado na mesma casa onde ela nasceu. O bar que se tornou ponto de encontro da boemia de Fortaleza foi uma forma encontrada, há 31 anos, de aumentar a renda de recebia como funcionária da Secretaria de Saúde do Estado.

Hoje, aos 74 anos, mantém a alegria quando lembra dos seus muitos anos de Carnaval, embora as lágrimas insistam em aparecer de vez em quando. A memória falha às vezes e foge principalmente nas datas, o olhar fica vago, mas logo ela volta ao assunto e abre outro sorriso. Suas alegrias agora vêm dos filhos e dos netos Hilton, Ítalo, Haurison e Amélia, todos adultos. Enquanto conversava com O POVO, Dona Mocinha pediu uma pausa para tomar água e explicou: ``É que a gente conversou muito. Mas, eu gosto. Dou o maior dez pra uma conversa``.

O POVO & A senhora nasceu naquela mesma casa onde hoje funciona o Bar da Mocinha. Como foi a sua infância? Que lembranças traz daquela época?
Dona Mocinha & Pois, é. Eu sou de Fortaleza e nasci naquela casa. Eu nasci ali e andava de cavalo. Meu pai tinha dois cavalos. A gente passeava na casa... (risos). A gente ia na casa das ``cotrovia`` do meu pai (mais risos).

OP & E a senhora ia fazer o que lá?
Dona Mocinha & Ia deixar dinheiro e conversar. Eu tinha uns dez anos. Eu ia sempre com o meu pai e com a minha irmã.

OP & A senhora teve muitos irmãos. Tinha muita brincadeira dentro de casa? Como vocês se divertiam?
Dona Mocinha & Nós éramos sete. A Isabel, Elisa, Alice, que morava no Rio de Janeiro, e o Francisco já morreram. Eu sou a última, a caçula. Minha mãe me teve com 50 anos. [Por conta disso, Dona Mocinha chamava a mãe de Vozinha] Nesse tempo num tinha boneca amiguinha, não. A gente brincava de fazer bonecas com paus e madeiras. Eu chamava minha irmã mais velha, a Neném, de mamãe e ela tinha sete filhos. O nome dela é Francisca. Eu ia pra casa dela e brincada com os sobrinhos que eram da minha mesma idade.

OP & E desde pequena a senhora já gostava de Carnaval? Já brincava nessa época?
Dona Mocinha & Eu sempre gostei de Carnaval, mas não podia brincar porque o véi [o pai] não deixava. Ele não queria que eu brincasse.

OP & Por quê?
Dona Mocinha & Porque naquele tempo as meninas não brincavam assim não, né. Não era legal. Eu tinha uma irmã, que ainda é viva, a Iracema & é Iraci e Iracema, as duas últimas & que já brincava. Ela gostava de namorar...

OP & E a senhora acompanhava?
Dona Mocinha & Não, no namoro, não. Eu brincava o Carnaval, e ela, não. Ela ficava só no namoro. Eu comecei a gostar de Carnaval quando ainda era mocinha, nova. Porque meu pai tinha uma mercearia e por lá aparecia Carnaval. Tinha a Corda Bamba, que era um bloco, que desfilava perto da minha casa.

OP & O que a senhora lembra das suas primeiras festas de Carnaval?
Dona Mocinha & Nessa época, não tinha negócio de rabo de burro, nem nada. A gente ia era dançar. Rabo de burro é os tarados, sabe? (risos)

OP & Quem lhe deu esse apelido de Dona Mocinha?
Dona Mocinha & Ah! Esse aí é bom. Olhe, eu comecei com esse apelido porque meu pai trabalhou 42 anos na alfândega, ali perto da praia. Ele tinha um depósito de madeira e eu ia ajudar junto com a minha sobrinha que é da minha idade, a Juraci. A gente ia ajudar ele na alfândega e também brincava. E quando meu pai chegava, eu dava a chinela dele, dava a toalha. Eu fazia isso por ele e meu pai dizia assim: ``Ai! que ela é uma mocinha``, porque eu ajudava ele dentro de casa. Eu ia buscar a roupa dele e ajudava nas coisas de dentro de casa. ``Minha filha é uma mocinha`` [dizia o pai]. Aí o apelido ficou e eu fiquei Mocinha.

OP & A senhora casou cedo e logo teve seu primeiro filho. Como a senhora conheceu seu marido? Como foi o namoro de vocês?
Dona Mocinha & Me casei com 15 anos e tive minha primeira filha [Raulina] com 16 e o Raulino eu tive com 20 e só são eles dois. E com 23 anos fiquei viúva. Naquele tempo, a gente não namorava, né. E aí eu casei cedo. O nome dele era Raimundo e ele muito bonito. Lá em casa, nós tínhamos uma mercearia e ele ia lá casa junto com uns meninos que iam dançar no bazar de música. Tu te lembra do bazar de música? (risos) Lá, eu conheci o Raimundo. Ele ia me buscar no colégio. Era assim, de 15 em 15 dias, ele passava na caminhonete em que ele trabalhava com comércio e ele me pegava pra namorar um pouco. Mas era muito difícil namorar.

OP & Com sete anos de casada, a senhora ficou viúva. Como foi essa época pra senhora? Quais foram as dificuldades?
Dona Mocinha & Foi um desastre. Com a perda dele, eu fiquei cuidando dos filhos. Eu não trabalhava nessa época. Tive que voltar a morar com meus pais. Levei meus dois meninos. Foi o maior desastre da minha vida (baixa a cabeça e chora).

OP & Vamos passar para uma parte mais feliz. Como era tomar conta do Bar da Mocinha?
Dona Mocinha & Eu trabalhei 30 anos na Secretaria de Saúde do Estado. As enfermeiras que trabalhavam comigo iam tudo lá pra casa. Eu fazia 20 quilos de panelada toda sexta-feira. Era uma panelada boa [Dona Mocinha toda ênfase no ``boa`` e ri]. Hoje eu não posso comer panelada. Eu fazia sarapatel, feijão verde. O feijão verde eu ainda faço com muito queijo e maxixe. Iche! que o meu feijão é tão querido! Eu tinha uns 25 anos quando abri o bar. Tomava conta sozinha. Eu já trabalhava na Secretaria de Saúde e era muito amiga das enfermeiras. Dona Joilma, dona Jarina... Os filhos dela que iam lá em casa tomar uma cervejinha. Aí eu não cobrava, não.

OP & A senhora já nasceu na Praia de Iracema. O que a senhora mais lembra do bairro quando a senhora era mais nova e o que mais mudou até hoje?
Dona Mocinha & Olha, a Praia de Iracema... A gente andava ali na João Cordeiro, andava na Gonçalves Ledo, por onde hoje é o Dragão do Mar. Eu tomava banho cinco horas da manhã pra ninguém ver minhas pernas, porque o meu pai ``ignorava``, não gostava. Ia sempre com ele. Meu pai tinha muito ciúme da gente. Mas, ninguém ouvia falar em crime. Prostituição sempre teve, mas era menos. Ninguém ouvia falar nessas coisas de hoje, não.

OP & Mas a senhora ainda gosta da Praia de Iracema?
Dona Mocinha & Gosto. Ainda é a minha cara. As casas eram muito bonitas. Era coisa antiga, né. Não tinha essas coisas desses apartamentos, não. Ainda acho bonito, mas era diferente.

OP & E como era o Carnaval da Praia de Iracema nessa época?
Dona Mocinha & Tinha escola de samba. Eu brincava só de longe, porque o véi [pai] não deixava, não. Nessa época, criança, não [podia brincar]. A festa era nas ruas. Eu gostava de serpentina que ninguém comprava. Os ``inchirido`` dava e eu soltava serpentina e confete. Os namorados da minha irmã & ela era muito namoradeira, ela era o cão. Agora, ela era bonitona & me levavam pro carnaval. Era muita gente na rua. Tinha a escola Bamba, os Camarões, tudo pela Praia de Iracema. [O bloco] vinha do [bairro] Meireles e ia ali pertinho da nossa casa. Tinha muita música, marchinha de Carnaval... A gente ainda lembra das marchinhas. Tem muita marchinha que toca ainda hoje. Eu ainda gosto do Carnaval, mas antes era melhor porque não tinha tanta violência. Não tinha.

OP & Em 1979, a senhora fez parte da criação da escola de samba Girassol. Como era essa escola?
Dona Mocinha & Ah! Foi a primeira vez que eu saí de baiana. Já ia me esquecendo da Girassol. Eu fazia as minhas roupas & nesse tempo eu costurava. Eu bordava na mão e fazia a minha diferente das outras. Tinha decorador, estilista, tinha o Praxedes, Decartes Gadelha, que animava. Eu gostava de costurar pra todo mundo. Eu tomava conta das baianas. Na minha roupa tinha muito brilho, dourado, tinha chapéu. Ainda tenho os retratos em casa. Tinha também a bateria, a comissão de frente...

OP & Além do Carnaval de Fortaleza, a senhora também brincou no Rio de Janeiro. Como foi a sensação de desfilar lá?
Dona Mocinha & Eu comecei a me interessar pela ala das baianas. Nós ficamos amicíssimos. Desfilei lá pela primeira vez na União da Ilha, já de baiana. Ave Maria! Era uma alegria sem tamanho. Eu costurava pra fora e passava o ano juntando dinheiro. Nesse tempo meus filhos já tinham terminado de estudar e já era depois do bar. Depois eu desfilei na Caprichosos de Pilares, Império Serrano, Portela, Grande Rio.

OP & Mas qual é a preferida? A escola do coração?
Dona Mocinha & União da Ilha. Se eu lhe disser que eu recebi uma camisa lindíssima que mandaram pra mim e ta lá em casa. Todo ano eu recebo. Eu visto a calça branca e minha blusa. Eu rio e choro toda vida que lembro.

OP & Como era a sua preparação cada vez que ia lá? Sei que a senhora fez muitos amigos no Rio.
Dona Mocinha & Ave Maria... (chorando). Quando eu ia, preparava as coisas que o Wilson e o Cláudio gostavam. Feijão verde, que eu fazia lá, queijo, cachaça. Levava tudo pra lá e fazia a festa. Eu também fui até a Globo, ali onde a Fátima Bernardes dá o Jornal Nacional.

OP & Quem conseguiu pra senhora uma vaga na Ilha foi o Carlito Pamplona. Como a senhora pediu a ele?
Dona Mocinha & Eu disse assim para o doutor Carlito: ``Arranje pra mim pra eu desfilar na União da Ilha``. E ele dizia: ``Mocinha, é tão difícil``. Aí eu dizia: ``Doutor Carlito, que difícil coisa nenhuma. Dê seu jeito``. Aí pronto, eu fiquei nessa moleza e acabou dando certo. [Ela para um pouco e lembra] Eu dei todas as minhas fantasias pras escolas de samba daqui. Eu doei. Foi a maior besteira e não foi. Eu trazia tudo, até o chapéu. Eu peguei amizade com o dono de uma loja daqui e ele me dava as contas e eu fazia os colares, brincos.

OP & Quem mais a senhora conheceu enquanto desfilava no Rio de Janeiro?
Dona Mocinha & Lá eu conheci a Elke Maravilha. Eu tenho até um retrato com ela. A Elke Maravilha é uma louca. É muito engraçada, divertida. Todo dia ela usa um batom. Eu dizia assim: ``Elke tu toma uma cervejinha?``. Ela dizia: ``Não, Dona Mocinha`` & [o nome] Dona Mocinha pegou muito, viu & ``Eu tomo é whisky``. Eu fui com amigos do pagode (do Bar da Mocinha). Tinha até um doutor sem-vergonha que implicava comigo porque eu saia na ala das baianas. O doutor Carlito Pamplona dizia assim pra mim: ``Mas Dona Mocinha, como é que a senhora já arranjou amizade com todo mundo na Ilha?``. Ele ficava bestinha! Eu dizia: ``Doutor Carlito, o senhor não sabe fazer o que eu faço!``, que era costurar.

OP & Ainda hoje sua casa é um ponto de encontro no Carnaval e no Pré- Carnaval de Fortaleza. Do que a senhora gosta mais?
Dona Mocinha & Eu sempre vou lá. Eu tô aqui [na casa do filho, em Iparana], mas no Carnaval eu tô lá. Eu não posso ouvir uma música que fico dançando. E outra coisa, quando eu chego lá eles sabem o samba que eu gosto, que é o da União da Ilha. Agora eu gosto mais do Pré-Carnaval, porque a gente fica mais alegre. Vai é gente por causa de mim. Meu filho diz assim: ``Mamãe, o povo todo atrás da senhora. Cadê a Mocinha? Cadê a Mocinha?``.

OP & A senhora gostou da homenagem que a Prefeitura fez à senhora no ano passado? Quando fez da sua casa um dos polos do Carnaval?
Dona Mocinha & Gostei, gostei. E eu nem tinha votado nela [Luizianne Lins], mas que eu gostei, gostei. Eu fiquei muito feliz. Foi muito bonito. Fizeram mais de mil máscaras com o meu rosto

OP & E a senhora gostou das máscaras?
Dona Mocinha & Não. Eu não achei bonito. Eu não gostei porque eu não sou feia daquele jeito, não (e gargalha).

OP & Ao longo dos anos a senhora ficou conhecida como uma referência para o Carnaval daqui de Fortaleza e já recebeu várias homenagens. Tem alguma delas que a senhora goste mais?
Dona Mocinha & Ai! O Carlinhos Palhano fez uma música em minha homenagem. Eu achei muito bonita. A música ficou mais bonita que a máscara.

OP & Hoje, com 74 anos, a senhora ainda está com energia e faz questão de estar presente no seu Bar durante os dias de Carnaval. O que a festa representa pra senhora?
Dona Mocinha & Ah, o Carnaval eu não largo, só quando morrer. Tem até um ditado que eu dizia quando ia botar uma dose e o pessoal pedia o choro: ``Em casa de samba não tem choro``. Ele representa muita coisa porque pra mim não existe sem Carnaval. Representa alegria, lembranças, recordações. Quando eu chego no Rio, é a mesma coisa. Esse cartaz todo que eu tenho aqui, eu tenho no Rio. A mesma atenção.

OP & Quem conhece a Dona Mocinha, conhece como uma pessoa alegre. A senhora é alegre? A que atribui sua alegria hoje?
Dona Mocinha & Eu sou alegre. Pra mim, não tem tristeza. Eu toda vida fui feliz. Logo, todo mundo gosta de mim e eu gosto de me sentir querida. Hoje, o que me dá felicidade são meus netos, meus filhos, que são os dois que eu tive. Eu gosto muito dos meus dois filhos e meus quatro netos. São eles que me dão alegria... E meu Carnaval, claro.

PERFIL

Iraci de Souza Batista nasceu em 24 de dezembro de 1935, na Praia de Iracema, na mesma casa onde, há quase 32 anos, fechados em agosto, ela montou o Bar da Mocinha. Reduto da boemia conhecido pelas suas rodas de samba, o bar é uma das suas maiores paixões. A outra é o Carnaval que, desde pequena, quando ganhou o apelido de Mocinha, ela via de longe, sob os olhos do pai José Batista. Casada aos 15 anos, mãe de dois filhos e viúva aos 23, ela sempre procurou manter a alegria como marca registrada. Também integrante da ala das baianas da União da Ilha do Governador, escola tradicional do Rio de Janeiro, Dona Mocinha é apaixonada por Fortaleza e uma das principais brincantes e incentivadoras do Carnaval da Capital

Fonte: Jornal O Povo

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