domingo, 30 de agosto de 2009

Memória das estradas de ferro



Estação ferroviária, em Fortaleza, foi a pioneira no Estado. Depoimentos são gravados no cenário do local

Em fase de finalização, documentário resgata história das estradas de ferro no Ceará, com personagens da época

Fortaleza. Mesmo tendo sido praticamente desativados nos últimos anos, os trens ainda causam fascínio. Tanto para aqueles que viajaram ou trabalharam na ferrovia quanto para quem só vê os trens cruzando o sertão cearense para levar carga. Apesar de instalada tardiamente no Ceará, no final do século XIX, as estradas de ferro tiveram um impacto importante na vida econômica e social do Estado. Cidades nasceram e cresceram na beira das ferrovias. Os trens encurtavam distâncias e era por meio deles que chegavam mercadorias, artigos da moda, correspondência, revistas e jornais para o Interior.

Toda esta história é contada por meio do vídeo-documentário "O Último Apito", que está em fase de finalização. Produzido pelo documentarista Aderbal Simões Nogueira, a produção busca recontar a história das ferrovias cearenses, do apogeu à desarticulação do transporte ferroviário em favor das estradas de rodagem, que hoje concentram boa parte do transporte de carga e de passageiros.

"A história do trem no Ceará é muito bonita para cair no esquecimento. Diferente do que ocorreu em outros países, as linhas de trem que haviam desbravado o País hoje estão praticamente desativadas. Então quisemos fazer um documentário mostrando a história do trem no Ceará, com depoimentos de pessoas que trabalharam na ferrovia e a situação das linhas nos dias de hoje", conta.

Conta própria
Fruto de um trabalho de cinco anos do documentarista, que é dono de uma produtora de vídeo, todo o trabalho de produção e captação foi feito por conta própria. As filmagens levaram a incursões por 40 municípios do Interior cearense e a gravação de cerca de 100 depoimentos de ferroviários e pessoas que, um dia, souberam o que era viajar de trem.

"Agora estamos correndo atrás de apoio para a finalização do documentário. Nossa idéia é que, depois de pronto, o filme seja exibido nas estações ferroviárias de 43 municípios cearenses, para que a população desses locais conheçam melhor a própria história", explica Aderbal Nogueira. A expectativa é que, caso consigam o apoio necessário, a estréia de "O Último Apito" ocorra no início do ano que vem. Segundo ele, os depoimentos são carregados por muita nostalgia. Aderbal conta que, durante as filmagens, muitos dos entrevistados se emocionaram ao relembrar passagens da vida marcadas pelos trilhos. "Tentamos mostrar o quanto o trem fazia parte da vida do povo e o quanto, hoje, ele faz falta".

Neto de um ex-ferroviário, Aderbal Nogueira contou com a ajuda especial do pesquisador José Hamilton Pereira, que era colega de trabalho do avô. Engenheiro aposentado da antiga Rede Ferroviária Federal S. A. (RFFSA), ele é um dos autores do livro "Estradas de Ferro no Ceará". A obra serviu de base para a realização do vídeo-documentário no Estado.

"Infelizmente as linhas de ferro foram abandonadas. A RFFSA aglutinava todas as linhas, mas com o tempo não houve investimento e a rede foi privatizada. Hoje o trem só serve para transporte de carga. É uma pena", comenta o pesquisador, apostando no sucesso do vídeo como resgate histórico.

FIQUE POR DENTRO
Ex-funcionários da RFFSA testemunharam era de ouro

Escrito por José Hamilton Pereira e Francisco de Assis Lima, "Estradas de Ferro do Ceará" começou a ser pesquisado há seis anos. Ex-funcionários da Rede Ferroviária Federal S. A. (RFFSA), eles testemunharam a era de ouro e a decadência das linhas de ferro. "Eu herdei muitas fotos do meu pai, que também era ferroviário. Então pesquisamos jornais da época, falamos com pessoas que trabalharam nas estradas de ferro, pegando a maior quantidade de informações possíveis para compor a obra, que busca resgatar essa história que estava sob o risco de ser esquecida", conta José Hamilton. O livro, lançado em 2008 e já em sua segunda edição, busca preencher uma importante lacuna para os pesquisadores quando o assunto é a história da rede ferroviária cearense. Além do livro, os pesquisadores estão trabalhando na reativação do Museu Ferroviário. O acervo encontra-se, atualmente, num prédio ao lado da Estação João Felipe, no Centro, em Fortaleza.

Abandono

"A história do trem no Ceará é muito bonita para cair no esquecimento. Não queremos isto"

Aderbal Simões Nogueira
Documentarista

"Não houve investimento e a rede ferroviária foi privatizada no País. É uma pena"

José Hamilton Pereira
Pesquisador

Mais informações

"O Último Apito"
Aderbal Simões Nogueira
Documentarista
(85)3224.7090

Fonte: Jornal Diário do Nordeste

CULTURA POPULAR - Reisado de máscaras é preservado em Potengi


Agricultores do sítio Sassaré realizam há 22 anos a arte do reisado utilizando máscaras ou caretas feitas com couro e madeira. O tipo de arte é uma raridade no Brasil (Foto: ELIZÂNGELA SANTOS)


Mestre Antônio Luiz de Sousa mostra as máscaras preservadas pelo reisado de Potengi. Por ele, tradição está mantida (Foto: ELIZÂNGELA SANTOS)

Um reisado que usa máscaras de couro e madeira está sendo preservado no município caririense de Potengi

Potengi. Nem bem o dia inicia e a luz começa a clarear, os integrantes do Reisado do Sassaré, sítio a 3km de Potengi, estão a juntar as roupas e fantasias dos personagens de um dos reisados mais raros do Brasil. É o único da região do Cariri com a característica do uso de máscaras ou caretas. Confeccionada em madeira e couro, as máscaras são preservadas desde os antepassados e resistem ao tempo. É uma prova de amor à cultura e à preservação de uma arte que não deve morrer, mesmo diante da ausência de reconhecimento no Estado.

Mestre Antônio Luiz de Sousa, desde pequeno, deixava muitas vezes de dançar para escutar os chamamentos do mestre Raimundo Maximiniano. As músicas soavam ao seu ouvido como um aviso do destino. O menino só não aprendeu a fazer as máscaras. Hoje, aos 51 anos, tem a preocupação constante de como fará para dar continuidade a um trabalho onde os próprios filhos adolescentes não se sentem à vontade para dançar na frente dos outros. Sentem vergonha de uma arte que atravessou décadas e, segundo o mestre, desde o seu bisavô tem notícia do envolvimento da família com o que ele chama de brincadeira. A avó já trazia a notícia nos anos 30. Dona Neusa Luzia de Sousa contava as histórias de reisado que sempre encantaram o neto Antônio.

São seis agricultores do Sítio Sassaré, mais os músicos e os personagens. Ao todo, são 12 personagens, que eles conseguem formar. Mas o formato anterior seriam 12 caretas, além dos outros integrantes. Essa tem sido a luta do diretor de Cultura de Potengi, Jefferson Gonçalves de Lima, conhecido por Bob, como forma de resgatar e fortalecer o grupo, que poderá estar fadado a desaparecer caso não haja apoio para continuidade e valorização.

Segundo Jefferson, que junto com o trabalho de resgate vem realizando pesquisas, há outros personagens que precisam ser preservados. A tradição nasceu no município, na comunidade do Sítio Rosário. Lá se realizavam grandes espetáculos aos olhos dos visitantes até de outras cidades da região. Junto com o grupo, a lapinha da comunidade também chamava a atenção do público.

Encontro de mestres
A integração do grupo do Sassaré com os antigos brincantes da comunidade do Rosário tem sido um dos trabalhos de Jefferson. Ele destaca a necessidade de promover os encontros do mestre Antônio com os demais mestres da região. O diretor cita que personagens como Jaraguá, Guriabá e a Margarida estão ausentes da dança dos Caretas do Sassaré, além dos caboclinhos. "É preciso fazer esse resgate e incluir mais brincantes no grupo, para completar a dança, que representa muito para a cultura local e a região", diz ele. Brincantes como Totonho e Massau, antigos integrantes de outros reisados, têm intenção de retornar para o grupo dos caretas de Sassaré.

Na pequena casa do mestre Antônio Luiz, que há 22 anos conduz o grupo, a sala está cheia de caixas. O violeiro, que mora perto e tem um papel importante nas apresentações, afina o instrumento. Seu Francisco José de Amorim, um dos mais antigos na brincadeira, junto com o mestre, também tem a preocupação de juntar as roupas e incrementar os chapéus. Até para comprar os papéis coloridos para enfeitar as indumentárias foi preciso buscar ajuda da comunidade. Seu Chico lamenta a falta de valorização do grupo na própria cidade em que moram, bem como o reconhecimento da população.

Jefferson chegou à diretoria de Cultura da cidade e um dos pedidos foi para que iniciasse um trabalho de resgate dos Caretas, mas esse trabalho vem de mais longe. Ele afirma que, ao integrar a banda dos Ferréros, de Potengi, decidiu incorporar um pouco da cultura local e o Reisado dos Caretas é presença constante tanto na música, com um resgate da cantorias do grupo, como também a própria dança. E leva o mestre para os palcos por onde se apresenta.

A falta de reconhecimento da população local entristece o grupo, que não deixa de empunhar a bandeira da necessidade de dar continuidade aos trabalhos. Os ensaios acontecem na associação da própria comunidade. Foi melhor para eles, que antes tomavam conta dos terreiros com as danças. As roupas estragavam mais rápido, porque bolavam no chão e a poeira tomava de conta. Há quatro anos estão com as mesmas roupas. A dos ensaios são as mais estragadas. As camisas azuis estão desbotadas, mas o diretor de Cultura garante que já estão sendo providenciadas novas roupas e sem a denominação do bumba-meu-boi, nas costas, como está no uniforme que atualmente o grupo usa. Jefferson diz ser consciente da necessidade de um trabalho de fortalecimento e divulgação do grupo. Ele diz que por conta dessas deficiências, o dia tradicional de apresentação do Reisado dos Caretas do Sassaré, em 6 de janeiro, Dia de Reis, deixou de acontecer no ano de 2004 e por pouco não houve no ano seguinte.

O grupo está concorrendo ao Prêmio Cultura Popular, do Ministério da Cultura. Mestre Antônio ainda não foi contemplado no Ceará como mestre da Cultura e lamenta ter perdido por alguns pontos. Seria de grande importância o complemento para auxiliar o trabalho. Em casa, dona Raimunda Rosa, esposa de mestre Antônio, acompanha todo o trabalho de reunir o material para a viagem.

A apresentação mais distante que aconteceu do grupo foi em Fortaleza. Os passos da dança foram um pouco prejudicados, por terem colocado um tapete no chão, mas conseguiram assim mesmo levar a apresentação até o fim. Dona Rosa se diverte e ao mesmo tempo atende a todos com o cafezinho. Na casa de três cômodos, as fantasias ficam na armadas de varas por cima das paredes. O boi, a velha Quitéria e o velho Bacurau, urubu, ema, entre outros personagens são chamados pelos acordes da viola a invadir o terreiro. Entra o mestre a chamar: "Meu boi bonito, meu boi estrela, touro do gado...".

RECONHECIMENTO AUSENTE
Artistas lamentam falta de público

Potengi Os caretas começam a se reunir para uma de suas apresentações no início da noite, em Juazeiro do Norte. Parece até um dia de festa. E é festa mesmo. O transporte vem pegar o pessoal e várias caixas são colocadas no terreiro. A preocupação de mestre Antônio Luiz é se vai dar para levar tudo e todo mundo. Mas desde cedo que tudo está sendo preparado. Seu Francisco José Amorim está dando o retoque final nos chapéus. As tiras de papel coloridas são coladas com cuidado nos chapéus em forma de cone. As máscaras são preparadas. Levam até umas miniaturas para vender. Mas, para tristeza de seu Chico, o público que eles esperavam não compareceu.

Às 18h30, marcada a apresentação no Centro Cultural Banco do Nordeste, e umas poucas pessoas perdidas entre as cadeiras da platéia. "Quase não veio ninguém", diz seu Chico, desapontado. A ausência de público pela falta de divulgação condizente com o valor dos grupos é uma punhalada no coração do artista. E para quem acha que essa violência fica apenas no cenário mais sofisticado, o mestre Antônio Luiz reclama da falta de consideração e reconhecimento do público de sua própria terra, Potengi. "Chegamos a ser chutados nas ruas da cidade durante a nossa apresentação".

"Chegamos a nos apresentar uma vez e deram, já à tarde, um copo d´água. O pessoal tava já desmaiando de fome", conta. Essa tem sido uma prática comum para as apresentações com um cachê irrisório, de fazer vergonha, e depois é servido um lanche. Pouco, para quem se contenta em levar a alegria e a arte regional.

O diretor de Cultura, Jefferson Gonçalves, afirma que vem sendo feito um trabalho educativo com crianças e jovens nas escolas locais. O mestre Antônio tem levado às unidades de ensino a sua experiência de brincante e mostrado o valor de preservar a cultura arraigada de seus antepassados. Essa é uma alternativa para se começar a perceber o que poderia ser um símbolo da cultura do município, mais valorizado.

E essa valorização poderá começar a chegar dentro das casas dos componentes do reisado do Sassaré. Os pequenos, filhos dos agricultores, poderão não mais sentir vergonha de "mungangar". Nos ensaios do grupo, na Associação, os adolescentes param de ensaiar quando a comunidade vai assistir.

Mais informações

Prefeitura Municipal de Potengi
Diretoria de Cultura
Cariri, (88) 3538.1225.

Fonte: Jornal Diário do Nordeste

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