domingo, 7 de março de 2010

Era uma vez uma rua e uma cidade


Praça do Ferreira , à época, numa perfeita harmonia entre o espaço físico e os interesses humanos - organismo vivo de nossa cidade
FOTO : ACERVO DE MARCINAO LOPES
7/3/2010


Na vida, temos, com o correr do tempo, variados momentos, em que cada um traz invisível marca de presença que vem, ao final de cada jornada, formar na sua época própria, para registrar o passar do tempo, tornando-se memória. E memória é, antes de tudo, a capacidade de repetir. Que tal nós percorrermos ruas e lembranças de nossa cidade?

Ah! tempo inexorável e pertinaz, que só tira a beleza de bem viver, a começar por fixar profundas rugas na face, vincada por longos lóbulos carnais tirando toda graça antes irradiante, hoje verdadeiro cemitério facial onde se acha sepultada a formosura do encantamento, que serviram de palco da alegria dos nossos sentidos tão intimamente entrelaçados a nossa mente, compunham o conjunto por nós criado e cultivado durante a nossa existência entre os seres que se amam, entrelaçam-se mutuamente transformando num só corpo e alma.

Com o passar de cada ano, vem de nós tomar conta a velhice velozmente, sem mesmo ser chamada, mas inevitavelmente como maior componente de nossa vida. Agora decadente, a nossa existência, a passos céleres ou galopantes, prostra-se, destruindo, inexoravelmente, toda nossa estrutura.

Dos mistérios

Quanta temeridade o mundo reserva aos mais diversos habitantes do hemisférico planeta? É bem melhor imaginar a ceia dos apóstolos naquela imensa mesa onde se repartem pão e vinho que alimentam corpo e alma, purificando corações diante daquela partilha por Jesus celebrada na Semana Santa. E a gente fica a pensar que o tempo demora a passar!...

Eis que, num sopro, chega-se ao término de mais um ano, deixando as lembranças ou ferindo mais profundamente as saudades, que ficam a magoar o coração já cansado de bater e sofrer os infortúnios da vida, mas também acalentado por momentos inesquecíveis que suplantam as dores e são enlevo, embora saudades fiquem de realce, emoldurando o tempo que chega repentinamente, e, sai sem dizer adeus

Refazendo novelos

Tudo tão ilusório, e, no engano dos nossos sentidos, deixa a nossa mente enleada pela fantasia nos parece tudo verdadeiro.

Mas tudo na vida tem o seu lado ilécebras, que nos enganam e mostram como somos frágeis diante da sedução que o mundo o oferece e fascina. Se voltarmos o pensamento para o passado,em direção a Fortaleza dos tempos que não retroagem, olhando para trás não tão distante, para relembrar com mais freqüências os fins de noites, iluminada por prateada lua dum céu salpicado por cintilantes estrelas, vagalumeando a abóbada celeste, num eterno piscar fosforescente em vigília noturna, nas saídas do encerramento das sessões dos cinemas frequentados por diferentes camadas sociais que se deslocavam no centro da cidade em busca de retorno a residência... Ah, quanta coisa, agora, estaria diante de nós, como inscrições, magicamente, refeitas!

Trilhando ruas

A começar pelos Cines Diogo e Moderno, que tinham uma frequência elitizada, cujas salas de espetáculos eram mobiliadas aos moldes dos cinemas do Rio de Janeiro; em seguida, o Cine Majestic, com entrada na Rua Barão do Rio Branco, frequentado, também, por diversas classes, pois não fazia exigência de trajes elegantes, nem calçados. ( Àquela época, em Fortaleza, a maioria não tinha sapatos, usava tamancos feitos de madeira, com plataforma de calcanhar elevado, semelhante aos tamancos usados pelos portugueses no Rio de Janeiro, os quais se dedicavam aos serviços braçais de empurrar carros com duas rodas para transportar mercadorias no centro da cidade.

Um tipo singular

Aqui na Rua Barão do Rio Branco, vizinho ao cine Majestic, havia uma fábrica de gelo da Empresa Ribeiro - Luis Severiano Ribeiro, cearense, percussor dos cinemas em quase todo Brasil. Um funcionário dessa fábrica de gelo percorria com seu carro de mão o centro da cidade vendendo barras de gelo, protegido com serragem (evitando dissolver rapidamente o gelo) para atender diversos estabelecimentos da cidade. Durante anos a fio, como funcionário da empresa Luis Severiano Ribeiro, dedicou-se a esse trabalho.

A singularidade desse personagem, por ser idoso, deficiente visual, dirigia transporte de risco para sua idade, merecia dos que guiavam carros, a devida consideração dando-lhe preferência o trafegar do seu carro de rodas aproveitada de veículos usados.

Sem embaraços se desvencilhava dos demais carros, conduzindo durante o expediente de trabalho, grande quantidade de barras de gelo para o comércio central. Outros transportavam diversas peças de tecidos, bobinas de papel em resmas de uma loja para outra, abastecendo lojas, armazéns, enfim um atendimento em forma de intercâmbio entre comerciantes ou abastecimento às filias, sem se falar nos famosos chapeados dos fins de quarteirões ou da Estação Ferroviária do Ceará - R.V.C. (Rede Viação Cearense).


Zenilo Almada
Colaborador
* Advogado

Da instabilidade do mundo

Se perguntarem alguma coisa sobre o ano que se findou, darei atualizada resposta plagiando a letra e música de Toquinho: "A vida tem sempre razão - A gente mal nasce começa a morrer - Sei lá, sei lá - A vida é uma grande ilusão..."

Entretanto nada tem a ver o enredo da música nem tampouco do conteúdo abordado. Apenas ouvindo-a, com certa atenção, notamos a sonoridade e a docilidade da composição, com a qual me deleito da musicalidade que sonoriza o estado de espírito, e, dão agradável suavidade, tornando momento inesquecível, atento, repondo o bem-estar de quem passou parte do tempo do dia numa azáfama do trabalho, exercitando a mente, nossa poderosa fonte de saber, de sentimento, enquanto a velhice não se aproxima de nós tomando conta, porque daí por diante termina nossa poderosa fortaleza, dos grandes feitos e domínios, embates e guerrilhas, vencendo os percalços que advém silenciosos, tornando-nos pigmeus, reféns do próprio destino.

E, vemos a velhice sorrateiramente chegar sem permissão, se aboletando e aquartelando na nossa mente, passando a comandar nossa pessoa, num processo de regressar até atingir a condição de criança.

E dessa luta imbatível vence o mais forte - o tempo. O tempo é inexorável e na impiedade de sua soberania não tem complacência nem posterga fatos. Consome com impetuosidade porque não sabe se apiedar do sofrimento dos seres. Para ele, tudo não passa de meros fragmentos soltos ao tempo, que se encarrega de voltar à sua origem - o pó.

Diz a Sagrada Escritura, segundo seus Apóstolos: "Tu és pó, e em pó te tornarás." Assim pensando na pequenez dos nossos cromossomos nada somos. Portanto não vale a pseudo aparência, todos nós somos iguais. Sem profundidade facilmente sabemos que, quando morremos, nossos restos se desintegrarão na mais pura metamorfose: do nada ser além de terra que se encarrega da nossa transformação biológica.

Fonte: Jornal Diário do Nordeste

O cotidiano que passava por uma rua


Praça José Alencar : este espaço bem traduzia os ares bucólicos e provincianos de uma Fortaleza só possível na memória
FOTO: ARQUIVO DE MARCIANO LOPES
7/3/2010


Mas voltando a "vaca fria" - a Radio Iracema, inaugurada nos altos de prédio de quatro (04) andares, considerado um dos mais altos arranha-céus da cidade de Fortaleza - Edifício com Loja de tecidos "Duas Américas", esquina da Rua Barão do Rio Branco com rua Guilherme Rocha. Mantinha auditório com capacidade para receber grandes astros e estrelas do Rádio brasileiro, inclusive Vicente Celestino, Dilu Melo, Emilinha Borba, Jararaca e Ratinho, Badu, Orlando Silva, Cauby Peixoto, Ataufo Alves, Nelson Gonçalves, Carmem Costa, Miltinho e outros, todos trazidos sob os auspícios do empresário Irapuan Lima - sem se falar na prata da casa, composta de uma plêiade de grandes interpretadores das mais belas páginas musicas jamais esquecidas por seus apreciadores.

Das iguarias

Pela Rua Guilherme Rocha existiu por muitos anos, esquina com a rua Senador Pompeu, a Padaria Palmeira do português Albano Ferreira da Silva, com doces, bolos e biscoitos. Chamava atenção por ter um enorme fiteiro de vidraça com prateleiras, fixado na parede lateral da padaria pelo lado da rua Guilherme Rocha, onde poderia ser visto por quem passasse ou entrasse para comprar o pão da tarde. De longe se sentia o agradável aroma do "pão sovado" ou "massa fina" ou ainda "pão de forma".

Na Padaria Palmeira, havia uma quadrinha escrita pelo proprietário: (Texto II)

Ao cair da tarde, a maioria da freguesia se movimentava para regressar as suas residências e poder saborear o pão quente regado a uma boa manteiga de 1ª (primeira) qualidade, e o cujo café com leite complementava refeição.

Dos pescados

As pessoas que residiam nas imediações do centro da cidade, nas ruas Senador Pompeu, General Sampaio, 24 de Maio, Av. Tristão Gonçalves, Av. do Imperador, Princesa Isabel, Teresa Cristina, Padre Mororó, Agapito dos Santos até mais ou menos na Rua Conselheiro Estelita, também costumavam descer pela Alberto Nepomuceno em busca da Praia de Iracema para comprar peixe fresco: biquara, ariacó, cavala, alvacora ou albacora, pargo, cangulo, beijupirá, galo do alto; tudo nas suas respectivas épocas de pesca, também o molusco "polvo" e "lula" de apreciável preferência por quem consome mariscos, servido no almoço ou no jantar, por ser tratar de uma refeição frugal.

Os vendedores de pescados se posicionavam na Praia do Peixe, hoje Praia de Iracema, ou nas calçadas de antigos prédios centenários na Av. Alberto Nepomuceno, na Secretaria da Fazenda, sobrado da família Frota Machado, depois de propriedade do Sr. Bené de Castro e Dr. Alber Vasconcelos (D. Fernanda e D. Maria Esther).

Pontos comerciais

Ainda na rua Guilherme Rocha se localizavam as mais nobres residências e estabelecimentos comerciais, um desses, a Loja Guanabara, do Sr. Duarte, próximo à Sorveteria Cabana; sem se falar nas demais casas comerciais situadas no correr do primeiro quarteirão da Rua Guilherme Rocha, esquina da rua Major Facundo (lado direito em direção da rua Senador Pompeu): havia, dentre tantos, a Farmácia Francesa; seguia-se da Loja Ideal do Sr. Clovis Costa e sua irmã Alzira Costa. Estabelecimento Benjamin Angert ourivesaria, trabalhos de fino acabamento como colares de pedras preciosas e pulseiras; Relojoaria Sansão e Movado. No meio da quadra, a famosa Lanchonete Cearazinho; Relojoaria Cancão; Farmácia Conceição, esquina da Rua Barão do Rio Branco; antes de chegar na rua Senador Pompeu a Farmácia São José; e, Livraria José de Alencar do Sr. Estolano Polari Maia - Cônsul do Paraguai.

Do lado esquerdo (ímpar) 1º primeiro quarteirão, esquina da Rua Major Facundo, havia a loja de tecidos Bradway, do Sr. Alberto Bardawil; Farmácia Santa Helena e, entrada para o pavimento superior do Clube do Advogado, Loja de Disco Vox, Gávea do Sr. Julio Coelho, Edésio Revistas e Jornais, Casa Americana, Casa Parente do Sr. Inácio Parente, Tarcísio Parente defronte Café Expresso.

Imagens do passado

No quarteirão da Rua Guilherme Rocha, entre as ruas Barão do Rio Branco e Senador Pompeu, com a demolição de vários prédios foi edificado o Edifício Beliza, defronte a Padaria Palmeira; seguiam-se de várias casas com pequeno comércio de ourivesaria e conserto de relógio, bares, depois a confeitaria Ritz do Sr. Luis Frota, Livraria e na esquina Mercearia Tabajara com produtos de cereais de 1ª qualidade.

Na mesma direção (direita de quem vai para o final da rua), na esquina o Bar Americano do Sr. Pedro Benício Sampaio, conhecido por vender caldo de cana e cajuína e em épocas do inverno, vendia canjica, pamonha, milho verde e o inesquecível aluá.

O que se dissipou

Na Praça José de Alencar, situava-se a escola de datilografia da Sra. Nenen Lopes, irmã do Desembargador Daniel Lopes, ao lado da Fênix Caxeiral, de uma quadra de basquetebol, depois Serraria Lopes, numa diagonal a Serraria Viana, até alcançar a Padaria Ideal dos irmãos J. Neto Brandão - Jaime João e Jorge Brandão.

Do mesmo lado na esquina, lado ímpar a casa do Dr. Newton Gonçalves, Cia. Cinemar, depois fabrica de gelo, casa do Dr. Periguari de Medeiros, José Emygio de Castro, Escola de Datilografia D. Albertina, bangalô que serviu de residência do Promotor Público - Vicente Silva Lima, em frente à Mansão que ocupava toda quadra pelo lado impar de propriedade do Abolicionista Alfredo Salgado, amigo do meu bisavô português Joaquim Dias da Rocha, cortada pela Vila Ipu, onde foram construídos varias casas.

Sombras de um crime

Na quadra seguinte as residências de João Diogo de Siqueira, Dr. Álvaro Andrade Neto, Sr. Sebastião Guimarães Costa com suas filhas Lais, Zaira e Nair Dias da Rocha Costa, Dês. Banhos Neto, Juvenil Hortêncio de Medeiros, do lado impar família do Dr. João Hipólito de Azevedo e Sá, D. Narcisa Cunha Borges mãe do Cel. Murilo Borges, ex-prefeito de Fortaleza, cujo casarão tinha uma escada externa pela Rua Padre Mororó local em que D. Narcisa Cunha, foi barbaramente assassinada por serviçal, comentado por toda cidade diante do horrendo e chocante episódio.

Entre as ruas Padre Mororó e Agapito dos Santos, existe ainda o sobrado que pertenceu ao Padre Hortêncio de Medeiros, depois funcionou a Procuradoria Geral da União. Finalmente na quadra entre Agapito dos Santos e Conselheiro Estelita, a suntuosa casa do Dr. João de Deus Cavalcante; o sobrado do estimado amigo Napoleão Bastos, D. Dulce e seus filhos Roberto, Gilka, Antonio Hercílio, Vera e Claudio; Dr. João Otavio Lobo, ilustre e humanitário médico pneumologista; Capelinha e Externato Jesus Maria José; bangalô do Sr. Cecil Salgado; Hospital São João, hoje Instituto Nacional do Seguro Social - INSS; chegando na esquina da rua Guilherme Rocha esquina com a Av. Philomeno Gomes, residência do Dr. Pedro Sampaio, avô da colunista e brilhante jornalista Regina Marshall.

Da arquitetura

Em frente existia o Palacete do Sr. Pedro Philomeno Ferreira Gomes, hoje Edifício Pedro Filomeno, proprietário da Fabrica de Tecidos São José, bem próximo da Aero Praia Hotel, vizinho a Escola de Aprendizes Marinheiros, defronte a Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes. Separados pela Av. Tenente Lisboa, do Cemitério São João Batista e do primeiro Necrotério de Fortaleza, situado nos fundos do mencionado Cemitério ou ainda conhecida como Chácara do Sr. Cândido Maia - administrador por muitos anos do Cemitério.

Assim terminava a Rua Guilherme Rocha (esquina que dar encontro com Av. Francisco Sá com Av. Filomeno Gomes, que seguindo na Av. Philomeno Gomes em direção (Sul) a Rua Carneiro da Cunha, existia a residência do Dr. Luis Moraes Correia, depois Serviços de Irrigação Federal.

Vizinho, residência do ex-governador Dr. Luis Flávio Marcilio; Seguindo a família Duarte Vidal, dos meus amigos Roberto Vidal e Maria Luiza pais do Juiz Federal José Silva Vidal; próximo ao internato Bom Pastor, cuja entrada sombria até chegar a capelinha, onde se refugiavam as pessoas que tinham desviado suas condutas e, para não causarem vergonha à família, ali permaneciam até cair no esquecimento da sociedade, que a boca miúda segredavam sigilosamente fato ocorrido, proferindo sob forma de "cochicho" ou "ao pé de ouvido", o que acontecera evitando que se propalasse ou transpirasse o desvirginamento de alguma moça que dera "passo errado" e punição vinha sob forma de expurgo familiar, para reparar o horroroso e repugnante cometimento de desonra ultrajando ou maculando o bom nome da família que deveria ser reparado, muitas vezes pagando com a própria vida.

Depois com o passar do tempo e, purgado a culpa as internas do Bom Pastor, retornavam aos lares, depois de terem recebidos cursos e aprendidos trabalhos manuais sob orientação das irmãs religiosas, dentre eles bordar, costurar, cerzir e outras atividades manuais.

Marcas da moral

Assim saíam para enfrentar a sociedade como quem deixa o cárcere de um presídio, e, por ter pago a pena pelo "mal cometido". Ocorria vezes, que o fruto deste amor proibido jamais poderia transpirar quem eram os verdadeiros pais da criança, evitando manchar o nome da família ou pais do inocente que não pedira para vir ao mundo e nem poderia pagar por erro cometido.

As moças fantasmas

Fato inusitado para época se relacionava no trajar das moças recolhidas no Bom Pastor; elas se cobriam de preto, lenço na cabeça, e, nas ocasiões das missas para freqüentar teriam que usar véu no rosto, impedindo sua visão a "olho nu" ou expondo-se aos olhares e reconhecimentos de pessoas que estavam nas missas e pudessem por ventura identificá-las. Tudo isso como forma de castigar a quem cometeu "erro de desonra".

A maior lembrança se prende a antiga Praça do Lyceu ou Praça Fernandes Vieira, onde ainda hoje se encontra o mais tradicional Colégio do Ceará - Lyceu, que teve inicio em 1845, hoje com 165 anos de existência, cuja praça presta honrosa homenagem ao grande mestre imortal da Academia Brasileira de Letras - Gustavo Barroso, historiador, escritor e poeta, que merecidamente lhe cabe tamanha honraria do nome da Praça, por ter elevado o nome do Ceará aos pícaros da gloria.

Iniciando em direção ao bairro de Jacarecanga, teve o quadrilátero nos primórdios do Século XIX as mais elegantes residências que ainda hoje marcam a imponência de sua formação arquitetônica,

Rota da memória

Vale a pena recordar esta extensa rua do Centro de Fortaleza, que desde o primeiro quarteirão em direção da Praça do Ferreira, na saída do Jardim do Palácio da Luz. Assim a Rua Guilherme Rocha tinha, à época, no longo percurso, prédios de mais requintada arquitetura pertencente a gradas famílias, embalando um passado que reside, assim, em cada um de nós habitante dessa grande cidade de Fortaleza.

Saiba mais

CHAVES, VELOSO, CAPELO. (Org.) Ah, Fortaleza!. Fortaleza: Terra da Luz Editorial, 2009

GUTIÉRREZ, AZEVEDO. (Org.) Iracema - lenda do Ceará, 140 anos. Fortaleza, Editora ufc, 2005

HOLANDA, Cristina. (Org.) Negros no Ceará - história, memória e etnicidade. Fortaleza: Secult, 2009

OLIVEIRA, Ana Amélia. Juntar, Separar, Mostrar - memória e escrita da História do Museu do Ceará. Fortaleza: Secult, 2009


Trecho

TEXTO II

A Padaria Palmeira

Tirou o primeiro lugar

Vende pão a Marinha

E o Colégio Militar

E a mais duas mil famílias

Em casa particular

Fonte: Jornal Diário do Nordeste

Os pés por sobre as ruas do passado


Rua Major Facundo: neste local concentrava-se boa parte do comércio, como também espaço para o lazer como os memoráveis cinemas
FOTO: ARQUIVO DE MARCIANO LOPES
7/3/2010



A artéria principal da Cidade - Rua Guilherme Rocha (Antiga Travessa Municipal e Travessa 24 de Janeiro) à noite, mesmos aos sábados e domingos, após término das sessões de cinemas Moderno, Majestic, Diogo, Rex e Cine Luz, respectivamente pelas ruas Major Facundo (Rua da Palma), Barão do Rio Branco (Rua Formosa), Rua Gal. Sampaio (rua ) e Praça dos Mártires (Passeio Público), voltava reinar uma tranqüilidade. Poderiam ser vistas as pessoas que saíam dos cinemas e vinham em direção à Rua Guilherme Rocha, visando ser reconhecidas à grande distância; e, às vezes, ao sinal do assobio, identificadas para (como se dizia à época) "pegar o cavalinho" ou emparelhar-se com a pessoa chamada pelo assobio, a fim de caminharem juntos até o local de morada, geralmente vizinhos, entabulando conversa sobre o filme a que assistiram ou outro assunto do cotidiano.

O olho no longe

Como era linda essa Fortaleza, as suas noites!... Principalmente nos luares do mês de agosto, com a exuberante brancura da lua prateada, incrustada num céu tropical, de um azul ferrete, festejado por estrelas feito pirilampos; com sua fosforescência acendiam e apagavam, no percurso de voo, toda a luminosidade que vem cumprir no curto espaço de sua efêmera existência, mas traduzem inexoravelmente a beleza que na terra se encerra.

Fortaleza de hoje perdeu seu júbilo, uma vez que perdeu o lirismo da antiga cidade provinciana dos bondes, vendedores ambulantes; chapeados; vendedores de panelada e fígado gordo; leiteiros; amoladores de facas e tesouras; consertadores de panela de ágata e alumínio bem como frigideiras, bules e pinicos e aparadeiras, bem como o famoso papagaio e o inesquecível capitão; urinol grande - de aproximadamente cinquenta centímetros de altura de alumínio ou ágata, com tampa, colocado por detrás da porta da alcova para micção noturna; os vendedores ambulantes de óleos para cabelos, que vendiam a retalhos com medida do formato de cone em cada extremidade para servir de valor referencial para cada quantidade na venda do óleo, e o valor variava com o tipo de óleo, que, colocado em garrafa, era depositado no recipiente com o auxílio de um minúsculo funil, tudo de flandre.

Ah, não esquecer também os vendedores de lenha para cozinhar, rolinhos de lenha para fogões de ferro e ágata importada da Europa com chaleira acoplada no bojo do fogão, forno para cozinhar pé-de-moleque, bolo de milho, grude, canjica, perus, galinhas caipira, peixe e outros assados no forno.

Assim gritavam os vendedores: Olha o óleo... Tem mutamba, coco, babosa, muçambê, jasmim, coco babão, oiticica, pequi... Havia uma residência na Rua Agapito dos Santos que vendia esses produtos, tão essenciais, que eram procurados pelos vendedores.

Usos e costumes

Embora com o crescimento da população citadina fosse, assim, paralelo à chegada dos jovens depois abastados - comerciantes, pecuaristas lavradores e pessoas gradas que mandavam os filhos para estudar nos melhores colégios, geralmente internos ou pensionatos, quando retornavam, sentiam a mudanças de hábitos e costumes da terra natal. Geralmente, sob indicação de pessoas de fino trato, as moças se dirigiam aos pensionatos; e os rapazes, às repúblicas do centro da cidade.

Naquela época o vicio de fumar era considerado o pior e um dos mais condenáveis defeitos para o ser humano. Adquirir o vício de fumar era uma inclinação para o mal, abominável e até horripilante. Tanto que quando certa pessoa tomava conhecimento de alguém praticando o fumo, imediatamente procurava se esquivar daquela pessoa e havia o maior cuidado ao tornar público o fato. E quando assim ocorria de transpirar a um amigo, precavia-se em rogar com absoluto segredo quase sepulcral.

Chegava ao ouvido de quem iria confidenciar tão horrendo pecado sussurrando: "Vou lhe contar agora o que se está passando com o filho do Cel. Fulano de Tal!" - "Aquele pedaço de mau caminho, que desencabeçou a filha do compadre, gosta de beber, fazer arruaças por onde chega, engana a todos e não paga suas dívidas?" "Pois bem... É aquele mesmo... está fazendo a pior das coisas..."

E, chegando ao ouvido dizia: "Guarde todo segredo... Mas quem me veio contar não mente!" "Pois é - Vieram me dizer que ele já... já... já fuma... Que coisa!!!"

Era como se fosse a ultima coisa que uma pessoa podia fazer de ruim na vida. Fumar era mesmo que cometer um delito, ou, quase crime.

Quando alguém sabia que determinada pessoa já estava fumando procurava se precaver contra ela que estava a praticar tão horripilante vício. Até para dar a notícia do vicio de fumar escolhiam como local: - A plataforma do pavilhão do ouvido para segredar tal fato... Segundo diz a lenda, a invenção do hábito de fumar foi dos índios: misturando folhas e ervas enchiam os cachimbos de barro, de variados tamanhos, ornados por gregas e símbolos que identificavam também a tribo, e, serviam para embriagar e dormir mais rápido.

Era o sonífero de hoje que funcionava como barbitúricos que os indígenas muito antes de nós já conheciam e se utilizavam, desde então, nos seus momentos de êxtases.

Os ares da província

Mas o bom mesmo é lembrar Fortaleza nos anos 40 a 60, e, a despreocupação de seus habitantes que caminhavam a pé as altas horas da noite, desde a Praça do Ferreira, seguindo pelas paralelas ruas Liberato Barroso, Guilherme Rocha, São Paulo, Senador Alencar e Senador Castro e Silva, em direção as suas residências sem o menor sobrosso de serem molestados sob qualquer forma.

Assalto era coisa inexistente, porque reinava a tranquilidade em todos os locais. Era nessa Fortaleza de sol escaldante e luar prateado soprado pelos ventos que vinham da praia, sem pedir licença invadiam a Cidade, com amenidade causando uma autarcia a todos, cujo frescor de bem-estar ainda hoje lembrado, por noites serenas que já não temos mais, porque os tempos mudaram, deixando apenas o peito amargurado por imorredouras saudades, resistindo às procelas do cotidiano, suportando essa transformação que se opera e se desfaz dentro de cada um fortalezense, deixando um vazio que torna gigante a procurar lenitivo.

A face mítica

Ah! Praia de Iracema de tantos amantes e por todos amada. A decantada "Iracema" descrita por José de Alencar na sua obra magistral - "Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e longos do que o talhe de palmeira. O favo do jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado." Iracema - alegoria maior de nossa terra - a que se faz presente de modo indefectível: o mito é o nada que é tudo.

Iracema, que saía da Praia do Peixe e ia se postar num pedestal ao lado do seu filho Moacir, na enseada do Mucuripe, do córrego Maceió, na Avenida Beira-Mar, exibindo a protuberância dos exuberantes e sedutores seios como a própria virgem dos lábios de mel a esperar a chegada do guerreiro Branco, ouvindo o canto da graúna que vinha do alto dos coqueiros

Tal harmonia do compasso musical vem do farfalhar dos ventos entrelaçando as palmas dos coqueiros que abrigam os ninhos, orquestrando e plagiando na maviosa voz do cantor seresteiro Augusto Calheiros na canção - Prelúdios de sonata de autoria do compositor Cesar Cruz no ano de 1946 há 64 (sessenta e quatro) anos, ainda nos embala com esse hino, agora reproduzido: (Texto I)

Nessa música cada estrofe exalta além da musicalidade uma mensagem de um menestrel que vagueava próximo ao "Edifício Duas Américas", esquina da Rua Guilherme Rocha com Rua Barão do Rio Branco, onde, nos altos, funcionou a Rádio Iracema de Fortaleza, sob o comando do animador e locutor Irapuan Lima. Depois, transferiu-se, então, para Rua 24 de Maio - Praça José de Alencar.

Trecho

TEXTO I

Sinfonia música divina prece musical

Sinfonia ritmo dolente e original

Sinfonia páginas da musa de

um grande amor

Sinfonia mística orquestração

do criador

Um concerto orquestral

E belo e sentimental

Deus porque me fez poeta e

um menestrel

As estrelas lá no céu são notas

musicais

Com harmonizações originais

A lua é um disco

Em que o criador gravou uma canção

Tocada pelos anjos num conjunto

Numa grande orquestração

Há turbilhão de nuvens que

errantes vivem

Lá no firmamento

São páginas de musicas de melodia

De lua sinfonia

Prelúdio de sonata

Fugas e acordes num grande tropel

Vivem lá no espaço vagando

E se transformam

Num suntuoso vendaval

Estrelas lá no céu.

Fonte: Jornal Diário do Nordeste

Um canal de divulgação da politica, esporte, cultura e história do Ceará e do Nordeste.

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