domingo, 15 de março de 2009

Aracati - É permitido exagerar


Há mais de 10 anos o ritual se repete. Sempre às quartas-feiras de cinzas, a partir do meio-dia, um grupo de foliões arma concentração na Praça da Coluna e prepara a despedida do Carnaval de Aracati. De lá, o Bloco dos Loucos, como é conhecido, segue pelas ruas da cidade em um arrastão até a rodoviária encerrando a festa. À frente da animação, Marcos Diniz, 41, o atual presidente do bloco.

Marcão dos Loucos é um dos símbolos da alegria e irreverência que marcam o Carnaval de Aracati. Filho da cidade, sofreu uma queda de motocicleta em 1981. Desde então perdeu o movimento das pernas, mas não a vontade de viver. Por onde anda é rodeado de gente, alegre e animado. "O acidente fez aumentar a minha autoestima. Hoje ajudo idosos e cadeirantes como se fosse missão".

Marcão dos Loucos é a própria personificação do Carnaval, em uma cidade que tem na festa um dos seus maiores orgulhos. Este ano, exagero ou não, a Prefeitura anunciou a presença de 600 mil pessoas. Para um município com 69 mil habitantes o número pode parecer exagerado. Mas dizer isso a um aracatiense é quase desaforo. Nas ruas, não há discussão: o Carnaval de Aracati é o melhor do Ceará.

A certeza é tanta sobre a importância do Carnaval para a cidade que a comunidade se engaja e respira a festa muito antes da data oficial. Este ano mesmo, a animação teve início uma semana antes com atrações nas praias. Outra novidade foram os maracatus vindos de Fortaleza. Na Praça da Coluna, que já virou praça dos loucos, o Carnaval tem calendário anual, que vai da escolha das marchinhas à eleição para a presidência do bloco. Marchinhas que são escolhidas a partir de fatos que tratam das coisas da cidade ou fatos pitorescos envolvendo seus personagens.

Mas Aracati não é só Carnaval. É história, tradição, memória e uma riqueza de patrimônio material e imaterial. É preciso um olhar para tudo isso para entender possíveis exageros de seu povo. Com rico conjunto arquitetônico tombado em 2000 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico (Iphan), a cidade atrai pela beleza de suas ruas e casas, demarcando sua importância histórica e cultural além fronteiras.

Historicamente, a cidade começou a ser ocupada por volta de 1740 com o aparecimento das charqueadas (abate e conservação da carne), responsáveis por possibilitar a competitividade da pecuária no Estado, em contraponto aos privilégios da cultura canavieira da Zona da Mata pernambucana. Com o comércio da carne e do couro foram atraídos ricos comerciantes de vários locais para a região, o que manteve, por muito tempo, Aracati como a maior área de influência econômica, social e política do povo cearense.

Do ciclo do gado, no século XVIII, a cidade passou pelo comercial e o do algodão (século XIX), e o industrial (século XX), que lhe deixaram marcas profundas, como as centenárias igrejas e os imóveis que registram passagens da história. Se não bastasse, ficam em Aracati as praias de Canoa Quebrada, Majorlândia e Quixabá, para citar apenas as mais conhecidas internacionalmente. Dizem ainda que as primeiras terras descobertas no Brasil pelo navegador espanhol Vicente Pinzón situam-se no litoral do município.

Em Aracati, portanto, seja na história, na alegria, na riqueza cultural ou nas belezas naturais, vale a hipérbole. Seu povo pode exagerar quando se refere ao locus, afinal estão presentes os elementos que controem o que nominamos de autoestima.

Fonte: Jornal O Povo

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