terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Peregrino das cores


Preta Velha do Maracatu, Franco Braga, 46, guarda a sabedoria do maracatu. Figurinista, ele busca o luxo e o brilho para a apagada Domingos Olímpio.

Franco Braga caminha quase diariamente pelas lojas do Centro da cidade. Seus pés são guiados pelos olhos. Eles garimpam o comércio à procura de objetos decorativos, novidades no mercado. “Você tem que sair peneirando. É quase uma peregrinação. Passo o dia todo vendo o que tem numa loja, o que não tem na outra, diferente de São Paulo que em uma loja só você compra tudo. Eu passo todo dia no Centro, mesmo sem comprar. Sei que um dia eu vou precisar e aí eu já sei onde tem. Fora os que me ligam para saber onde comprar determinado material”.

Preta Velha do Maracatu, guardadora da sabedoria e responsável por repassar aos demais a tradição, Franco Braga, 46, funciona como um coringa do Maracatu Vozes d’África. Além de incorporar a hierárquica personagem na avenida, ao lado do Preto Velho, ele assina o modelo de todas as fantasias dos 320 participantes do grupo, que desfila no próximo domingo, às 21 horas. Na concentração, momentos antes de desfilar, ele veste todos, arremata um ponto, ajusta um adereço. Só depois, cuida de sua roupa.

Este ano, o seu maracatu vem com o tema da libertação dos escravos. Personagens como Princesa Isabel, Castro Alves, Zumbi, Chico da Matilde, mais conhecido como Dragão do Mar, estarão na avenida. No desfile, mesmo as personalidades menos “gloriosas” precisam de luxo. As vestes do Dragão do Mar são simples, muito diferente da Princesa Isabel. “Mas ambos podem ser luxuosos. Só não podem ser desproporcionais para não descaracterizar”. Todas as roupas do desfile foram pensadas, desenhadas e tiradas o modelo por Franco. Depois, ele supervisiona o trabalho de oito costureiras. Mas nem todas são do Vozes d’África. Parte delas está com outros maracatus, aos quais está prestando serviço. A casa nesse período vira uma loucura e exige de Franco um jogo de cintura similar ao seu talento. No clima acirrado de disputa entre as agremiações, Franco convive de forma “harmônica” com inimigos de amigos. A casa, localizada no centro, possui três entradas como estratégia de sobrevivência. “Para não ter perigo do povo se encontrar e ter briga. Um entra por ali, fica na sala, outro vai num vão diferente. A gente vai levando. O importante é respeitar profissionalmente cada um, mesmo que seja de opinião diferente”, revela o segredo de tanto carisma.

Franco sobrevive do trabalho manual há mais de 20 anos. “Sempre fui artesão. Eu assistia ao desfile jovem e tinha medo da cara preta. Esse medo de criança... Mas aí o medo passa a ser uma admiração”. Até chegar ao rosto de falso negrume, Franco desfilou na ala de índios, depois com os negros, até chegar à Preta Velha, posto assumido há seis anos e cativado com orgulho. “A partir do momento em que você veste a roupa, você tem que viver a personagem. Você vira uma velha e tem que agir como uma velha. Você veste a roupa e incorpora, ela vem, chega. Na concentração, você já vive o personagem. Na avenida, você vive a emoção”.

Desde quando entrou para o Vozes D’África, somente ano passado ele não participou do desfile. Em 2008, passou o Carnaval em São Paulo, mas dormiu no hotel agarrado com um litro de uísque. Havia fechado contrato com a escola de samba paulista Nenê de Vila Matilde, cujo enredo era Câmara Cascudo. Se aqui no Ceará, os dias que antecedem o desfile são loucos pela demora da liberação da verba municipal, em São Paulo a sensação é a mesma, mas justamente pelo motivo contrário. “É muita fantasia. É muito dinheiro. O acordo era de deixar as fantasias prontas na avenida. Eu passei uma semana sem dormir para terminar. Tanto que eu não desfilei. O samba troando na avenida, e eu dormindo no hotel, com o meu uísque”.

Em Fortaleza, não haveria perigo de repetir o fato. Vozes d’África está no sangue. Apesar de constatar que o glamour do Carnaval de São Paulo supera em muito ao da Domingos Olímpio, ele preferiu voltar para a sua terra Natal. “Eu fiquei muito triste lá em São Paulo. Assistia na televisão, via o samba em São Paulo e no Rio de Janeiro; o frevo no Recife; o axé na Bahia. Quando iam falar do maracatu de Fortaleza, mostravam a arquibancada caída”.

Com a vida entregue ao maracatu, Franco divide seus trabalhos com a atividade de decorador de festas. Do batizado ao casamento, do São João ao Réveillon, ele faz artefatos e deixa a festa ao desejo do cliente. “São artes diferentes, mas quem faz uma decoração de carnaval está preparado para qualquer coisa”. A diferença, no entanto, não fica apenas no estilo da decoração. No carnaval, ele vive e protagoniza a festa; nas demais comemorações, ele não participa. É um profissional. Após entregar o trabalho, debanda para casa. “Eu já estive por dentro dos muros altos da Aldeota, onde acontecem as maiores festas, onde rola o dinheiro, onde só entram as criaturas convidadas. Penetra não tem vez. Nessas, eu não assisto à festa. Entrego e dou o tchau. É a mesma coisa que eu fiz em São Paulo... Entreguei na avenida e fui dormir”, compara.

Paixão festeira mesmo só na Domingos Olímpio e nas demais apresentações feitas, esporadicamente, ao longo do ano. Nas andanças, o Vozes d’África já atravessou o oceano atlântico e esteve na França por três vezes, quando participa de festivais de folclore. “Lá tá o mundo todo te assistindo. O maracatu é uma coisa esperada. A gente fica por último para segurar o público. Só não é valorizado aqui, no povo do Ceará. A gente também se apresenta nas escolas. Você tem que levar a cultura para o povo. Você carrega nas costas e não tem preço que pague”.

Fonte: Jornal O Povo

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