domingo, 8 de março de 2009

HISTÓRIA E CULTURA - Vale do Jaguaribe em artigos.


Pôr-do-sol: Paisagem relembra a época de ouro da região, quando a economia estava solidificada com o comércio de cera de carnaúba (Foto: Melquíades Júnior)

Historiadores da Fac. de Filosofia Dom Aureliano Matos lançam ´Vale do Jaguaribe - histórias e culturas´

Limoeiro do Norte. Um dia, guiados pelo Rio Jaguaribe, os invasores colonizadores encontraram os índios, as onças, e fincaram os pés no Vale do Jaguaribe, o primeiro ponto da ocupação no Ceará. Séculos depois da “descoberta”, impulsionados pela curiosidade e a impertinente busca de conhecimento, historiadores por formação encontram papéis velhos, mofados, empoeirados, mas também elementos vivos da memória, das histórias e tradições locais. Numa prova de que a história é passado, mas presente; particípio, mas gerúndio, aguça-se a sensibilidade e estuda-se a própria realidade, já que presente prevê o futuro.

Retratos da realidade do Vale do Jaguaribe e, ao mesmo tempo, recortes universais da humanidade estão grafados em “Vale do Jaguaribe – histórias e culturas”. Não é só um apanhado de artigos acadêmicos, mas a chama da resistência, no Interior, do registro do conhecimento. Apesar de o Cariri ser, emblematicamente, o que primeiro vem à mente de um leigo quando o assunto é Interior deste Estado da Nação, foi na região jaguaribana que teve início a incursão “civilizatória” propriamente dita no Ceará.

Início para uns e fim para outros – os naturais donos, diga-se, já que os índios foram expulsos e dizimados justo no período de sua grande resistência à colonização, na famosa Guerra dos Bárbaros. O Jaguaribe (do tupi: Rio das Onças), virado em mar de sangue, ficou sem onça, índio e até sem água – não fosse perenizado pelos açudes ainda seria “o maior rio seco do mundo”.

Mas outros povos assumiram o lugar, e a partir de quando se fez registro escrito, de vida ou de morte, têm-se aí o alvo dos graduandos do curso de História da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, unidade descentralizada da Universidade Estadual do Ceará (Uece), em Limoeiro do Norte. Eles são os autores do livro.

Sertão e cidade

Se for considerado do ponto de vista histórico e social, o livro é sobre o Vale do Jaguaribe, mas geograficamente do que se fala é o Baixo Jaguaribe, especialmente Limoeiro do Norte – locos de dez dos 16 artigos que compõem o livro, que está dividido em quatro partes: Sertão, cultura e trabalho; Cidade, cultura, poder e religiosidade; Campo e cidade – as doenças não têm fronteiras; e Escravidão e ciganos - um olhar histórico-antropológico. Quem já cortou o Ceará de norte a sul e viu que, no meio do caminho tem carnaubal, talvez não saiba que, no meio do curso da história, entre os séculos XIX e XX, o extrativismo desse vegetal colocou a região jaguaribana no mercado internacional. O Ciclo da Cera de Carnaúba, de que fala o professor Olivenor Chaves, organizador do livro. Já dizia padre Antônio Thomaz que “tudo, na carnaubeira, é prestante e amigo. Nenhuma árvore é mais dadivosa e fecunda”, bem sabiam disso que os ribeirinhos de várzea do Jaguaribe faziam riqueza do pó da cera e da palha. No município de Palhano, uma família artesã inteira aproveita a noite enluarada para os serões de trança de palha de carnaúba, a feitura de bolsas e chapéus. O antigo proprietário de carnaubais em Russas, Elias Bento, conta que ganhou tanto dinheiro “que guardava dentro de uma mala, sabe? Comprei casa na cidade pra meus oito filhos. Vamos dizer que eu era rico... A natureza já dava pronta, nem precisava a gente pedir inverno, era como se Deus dissesse: esse povo mora num canto seco, num vão ter o que comer no verão, então-se, eu vou dar a carnaubeira para eles sobreviver, a natureza é muito sábia, tudo que Deus faz é certo, sabia?”, conta.

Obra

Para saber ou lembrar, “Vale do Jaguaribe – histórias e culturas” é uma obra acadêmica destinada à comunidade jaguaribana e aos interessados em conhecer o período de colonização da região. O livro é um encontro de olhares do povo jaguaribano, que escreve e lê, com suas próprias histórias.

De um lado, exercício da pesquisa; de outro, reparo da memória da formação das elites locais e as relações de poder sobre as camadas populares da pirâmide social.

Melquíades Júnior
Colaborador

MESTRE DA CULTURA
Histórias renascem com as relações sociais



Mestre da cultura: Louceria Lúcia Pequeno, destaque no cenário cultural de Limoeiro (Foto: Melquíades Júnior)

Limoeiro do Norte. A publicação de “Vale do Jaguaribe – histórias e culturas” tem um significado novo na historiografia da região jaguaribana, em que pese a predominância de apanhados de memorialistas em outras publicações. Dessa vez são 16 trabalhos científicos, ainda que uma condensação de monografias, e mesmo que tais trabalhos ainda pareçam carecer de dados, mais tempo, mais informações em trabalhos que transcendem à pesquisa histórica, almejam a Sociologia, a Antropologia.

Das relações sociais e econômicas entre famílias de artesãos são feitas as comunidades, as histórias. Curiosidades temperam as relações sociais dos atores jaguaribanos, como as famosas louceiras do Córrego de Areia, em Limoeiro, pesquisadas pela professora doutora Francisca Mendes: “Merece destacar que, aos olhos das louceiras, a lagoa (local de extração do barro) é muito mais do que a extensão de uma terra cheia de escavações. Ela revela caminhos por onde as outras passaram, uma vez que identificam quem esteve antes no local, que quantidade de barro levou e quanto tempo faz, a partir dos sinais deixados nas escavações. Algumas louceiras cobrem os lugares escavados para que as outras não percebam que ali tem um barro de boa qualidade”.

Outras curiosidades a se encontrar no livro: “um escravo de nome Tibúrcio, com idade de deseceis annos, cor mulato, filho de uma escrava minha por nome Joaquina... o alforrio... desde já gosar de sua liberdade... somente impondo a condição de me acompanhar até o fim da minha vida...”. É o trecho de uma carta de alforria na Vila do Espírito Santo, em Morada Nova. Vê-se que o documento pouco valia de quebra de algemas na relação senhor-escravo. Um dos pontos a se destacar da publicação são as centenas de referências bibliográficas.

É preciso concordar com o professor e deputado federal Ariosto Holanda, que escreve o prefácio da obra: o livro representa um significado histórico em si, o encurtamento da distância entre a faculdade e os níveis médio e fundamental de ensino, além da oportunidade de olhar o presente tendo como referência o passado. Ainda diz Ariosto que o material “não deixa de ser um tratado antropológico da região”. Mais do que isso, é uma demonstração de que transbordam em potencial para as ciências humanas os pesquisadores da história – com Geografia, Letras e Pedagogia formam os únicos cursos da área de humanas.

Fundação

Com 40 anos da fundação, a Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, que não tem curso de Filosofia, carece de cursos como Ciências Sociais e Filosofia; e bacharelado, não somente cursos em licenciatura – motivos para fuga de “cérebros” da região, que não querem enveredar pelo trabalho docente. “Este livro nasceu de um desejo, compartilhado com os bolsistas do Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de História da Fafidam, de reunir os resultados das pesquisas desenvolvidas por bolsistas no referido programa, as quais resultaram em suas monografias de final de curso de graduação em história”.

E completa: “a motivação era darmos visibilidade ao conhecimento histórico produzido por nossos alunos, de modo que uma gama variada de público pudesse ter acesso a cada uma das pesquisas selecionadas para compor essa coletânea”, explica José Olivenor Sousa Chaves, professor doutor do curso de História e organizador do livro, em parceria com os alunos do curso de História da Fafidam.

SAIBA MAIS

Trechos


A seguir, alguns dos trechos da obra, para situar o leitor nos aspectos abordados no livro

Farinhada


´Muito importantes até as décadas de 1970, as casas de farinha representam o lugar da memória, o espaço da saudade, embora ainda seja possível se encontrar em funcionamento, pelo Baixo Jaguaribe´

Ocupação

´A ocupação civilizatória no Vale do Jaguaribe teve início no século XVII, em decorrência da criação de gado, a partir de duas rotas de penetração: uma, vinda de Pernambuco pelo baixo curso do Rio Jaguaribe, e outra, procedente da Bahia, vinda pelo alto curso do rio´

Resgate

´Trabalho de amor num terreiro de umbanda em Limoeiro: ´põe-se em um pirex as fotos das duas pessoas, escreve-se os nomes completos nas velas e as coloca sobre as fotos. Depois é derramado mel dentro do pirex, para inundar de doçura a relação que se pretende levar a efeito. Ao final, borrifa-se perfume´
Fonte: Jornal Diário do Nordeste

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