domingo, 15 de fevereiro de 2009

Do provincialismo ao universalismo - O complexo de Jaburu



DEMITRI TULIO - Da redação

Após carta enviada pelo economista Cláudio Ferreira Lima, autor de A Construção do Ceará - temas de história econômica, decido por onde começar o texto. Aceito a provocação do pesquisador e me demoro, olhos ruminantes, na leitura de Retratos do Brasil - ensaio sobre a tristeza do brasileiro, de Paulo Prado; e da deliciosa crônica Brasil brasileiro, de Paulo Mendes Campos. De coisas em comum nos dois textos uma citação, da autoria de Capistrano de Abreu, concebe o ponto de partida. "O jaburu é a ave que para mim simboliza a nossa terra. Tem estatura avantajada, pernas grossas, asas fornidas e passa os dias com uma perna cruzada na outra, triste, triste d´aquela austera e vil tristeza". O trecho, que é parte de uma missiva enviada no século passado por Capistrano ao historiador luso-brasileiro João Lúcio d´Azevedo, entrou na crônica de Paulo Mendes Campos como exemplo de um malogro superado pioneiramente pelo povo paulista. "Para Capistrano, o jaburu simbolizara o Brasil; São Paulo foi o primeiro a superar a tristonha fase jaburu", ressalta o cronista mineiro. "E o Ceará, será que já deixou de ser jaburu?", instiga Cláudio Ferreira Lima. As hipóteses ou respostas de "sim" ou "não" deixo para o leitor formular e discutir com quem está ao seu lado. Enquanto isso, chego ao texto Precisa-se de Ceará - resultado de conferência entabulada por Gilberto Freyre no ano de 1944, em Fortaleza. Aqui, o estudioso da brasilidade ressaltou que o País necessitava do provincianismo e do universalismo do cearense. Para Gilberto Freyre, "nenhum brasileiro é mais cosmopolita (que o cearense). As anedotas chegaram a exagerar esse pendor do cearense; a caricatura chegou a fazer dele um cigano ou judeu brasileiro; a lenda chega a salpicar de cearenses ricos ou a caminho de riqueza, não só Nova York e Londres, como no próprio Oriente". Há mesmo essa errância, talvez por causa das secas ou espírito de arriscar mundo afora. A seca que, na visão de Rodolfo Teófi lo, historicamente sempre foi maldição menor frente "a inépcia e má vontade dos homens que dirigem a Nação e a falta de patriotismo de nós cearenses. Não amamos nossa terra como deveríamos amar. Sacrificamos o bem público aos interesses da politicagem". A alfi netada, de uma contemporaneidade perene, fora endereçada ao escritor e deputado geral José de Alencar. Rodolfo, que repetia que era cearense porque queria, não poupou o momento jaburu do idealizador do primeiro cearense - Moacir. "Em 1877, Fortaleza estava cheia de retirantes e o presidente da Província, desembargador Estelita, pedia socorros ao Governo Geral. Funcionava o parlamento e um de nossos representantes, Alencar, com o prestígio de seu nome, afi rmava à Nação que havia exagero nas notícias transmitidas pelo governo do Ceará sobre a seca, `pois os invernos em sua terra começavam em junho'.", ironizava Rodolfo no ensaio A seca de 1915. Ele, farmacêutico que enfrentou no braço batalhas a exemplo da epidemia de varíola (1877), de matar mil pessoas por dia em Fortaleza, diagnosticou que o cearense tinha sido dotado de uma "resistência orgânica assombrosa para que pudesse enfrentar as secas" e ainda sobreviver à tirania das politicagens nefastas. A essa resistência, segundo Cláudio Ferreira Lima, também se pode chamar de auto-estima. Sentimento contrário a inércia que obriga até hoje o cearense a buscar ser feliz e abandonar a caduca e incômoda imagem de povo subjugado, de mão sempre estendida. Para o economista, no Ceará precisa-se cada vez mais da sobralidade dos sobralenses, do empreendedorismo dos caririenses e da irreverência do fortalezense. A construção do Ceará, expõe Ferreira Lima em seu livro, está ligada desde sua origem à resistência e formas de reinventar o cotidiano da tribo, da vila, da capitania, da província e do Estado. Foi assim quando o Ceará foi relegado a loteamento de Pernambuco, quando Portugal decretou a Guerra dos Bárbaros, quando se introduziu a pecuária e se inventou as charqueadas. Quando se viveu a era do algodão, quando o Conselheiro concebeu Canudos e quando se lutou pela Confederação do Equador... "São muitas as idas e vindas nessa construção histórica. Tivemos um Virgílio Távora, idealizador do primeiro planejamento do Estado, do início da industrialização, e um Governo das Mudanças que virou exemplo de auto-estima e estudo no Massachusetts Institute of Thecnhology (Judith Tendler)", conta o economista. É certo, avalia Ferreira Lima, que o Ceará ainda convive com um paradoxo histórico da desigualdade social e que a população menos favorecida na maioria das vezes caminha a reboque dos interresses das elites de seus tempos. Condicionante que mexe com a auto-estima de qualquer povo. Somos, para afago do ego nacional, a terceira capital mais importante em influência urbana do País (IBGE-2007). Mas, a exemplo da administração colonial -quando havia concentração na distribuição de bens (terras), ainda continuamos tendo de ajustar a divisão da nossa felicidade interna bruta. (Colaborou Thiago Cafardo)

"Sou cearense porque quero"
Rodolfo Teófilo, farmacêutico.

Fonte: Jornal O Povo

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