domingo, 15 de fevereiro de 2009

3 visões sobre a cearensidade



MAIS OU MENOS DIVINO - TARCÍSIO MATOS, Escritor

Não creio seja o cearense um povo morredor. Não é qualquer furinho (ou mesmo a morte) que faz o cabra "embiocar" no fundo duma rede e amargar tristeza de querer sumir. Não digo que seja o mais confi ante em si. Apenas é diferente ao encarar o quem vem contra. Se sofrer fosse poetar, cearense figuraria como sujeito do poema de Fernando Pessoa, que diz: "O poeta é um fingidor/ Finge tão completamente/ Que chega a fi ngir que é dor/ A dor que deveras sente". Engole a seco o revés e, em vez de lamentar, arrota irreverência. Nem aí pro azar. A gente se abre da situação. "Nós sofre, mas nós goza". Chova, faça sol; de barriga cheia ou colada ao espinhaço; na praia ou no sertão; seja alvinegro ou tricolor, cearense (é coisa de Deus) dá o maior valor à vidinha que tem, é solidário. A dor une, iguala todo mundo. Ri, ri de si mesmo, faz rir. Achamento de graça e fazimento de pouco é terapia. Seria cômico, não fosse trágico. Quantifi cando, tem auto-estima mais ou menos. Mas, exibe tantos atributos positivos que engana os bestas. Aí pensa, sobre a vida: ruim com ela, pior sem ela. Cearense sente o gosto em tudo, principalmente se de bem com a vida: bem empregado, de comer garantido, menino na escola... Ora, quem não quer do bom e do melhor? Entanto, se só tem tu, vai tu mesmo. Fazemos humor mesmo sem graça, mesmo sendo sem graça. É mais saudável fazer o outro chorar de rir. Há mercado promissor pro humor. Ganhamos notoriedade. O povo de fora sai daqui com a imagem de que somos todos Anysio, que confiamos à beça no taco, que problema aqui é piada, em cada esquina tem um jumento e alegria troando, que água é produto de luxo. A caricatura disfarça, mas, tanto melhor. Saber suportar, sem reclamar, é virtude. Se dor é bênção, rir consciente da difi culdade é garantir vaga nos tablados do Alto.
Tarcísio Matos é jornalista, compositor e colunista do O POVO

O CEARENSE TEM AUTO-ESTIMA... Cláudia Leitão, professora

O que leva uma coletividade ou uma nação a desenvolver o sentimento de auto-estima? Por que determinados grupos sociais parecem possuir um maior apreço por si próprios que outros? Haveria uma relação entre sentimento de auto-estima e desenvolvimento? E mais. No caso do Brasil ou do Ceará poderíamos ainda perguntar: como reaver em comunidades excluídas e ex-colônias submetidas à domesticação de suas culturas, sua capacidade de mobilização? como resgatar a auto-estima de comunidades a quem foram solapados os sentimentos de pertença e o acesso às suas próprias expressões culturais? Quando refl etimos sobre as relações entre cultura e desenvolvimento e suas repercussões na auto-estima de comunidades e nações, deveríamos, primeiramente, levar em conta o que delas foi descartado e excluído. Para isso, precisaríamos superar traumas relativos aos nossos próprios processos históricos. Como nos diz Mia Couto, o colonialismo não morreu com o advento das independências; mudou de turno e de executores. Durante décadas buscamos culpados para as nossas infelicidades e incompetências. Inicialmente culpamos os colonizadores. Em seguida, construímos imagens românticas do que fomos antes deles. Mas os colonizadores se foram e as novas formas de colonialismo se dão entre nós. Essas formas são naturalmente geridas entre ex-colonizadores e ex-colonizados. Como nos diz o intelectual moçambicano: "Vamos ficando cada vez mais a sós com a nossa própria responsabilidade histórica de criar uma outra História". Ao mantermos o mesmo modelo mental dos colonizados, perdemos nossa capacidade de pensar, criar e imaginar, limitando-nos a repercutir pensamentos alheios, cujas consequências são fatais para nossa auto-estima; ora resultam num ufanismo ou messianismo ingênuos, sempre em busca de novos colonizadores, ora em uma profunda inação diante do presente. Alternamos os seguintes discursos: "somos maravilhosos e talentosos, só necessitamos ser descobertos!"; "Somos incapazes, somos vítimas, nada podemos fazer". Esse comportamento pendular é historicamente reforçado, no campo da cultura, pelo Estado, através de ações populistas e, no campo da economia, pelas instituições responsáveis pela criação de projetos de desenvolvimento tão inadaptados e distantes de nós. Penso que, para falarmos sobre a auto-estima dos cearenses, necessitaríamos refletir necessariamente sobre nossas políticas governamentais (lamentavelmente nem sempre públicas) e seu papel na ampliação dos significados do desenvolvimento, a partir da formulação de políticas culturais. Afinal de contas, o que esperamos para dar vazão aos nossos próprios processos criativos? Já não poderíamos ter produzido uma nova matriz de desenvolvimento capaz de incluir nossas expressões culturais, nossos valores e nossos comportamentos nas redes comunicacionais que estabelecemos e nas diversas expressões de solidariedade que construímos? E, para respondermos, enfim, se os cearenses possuem ou não auto-estima, deveríamos, antes de tudo, perguntar, especialmente, às nossas elites: quem somos nós? O que excluímos de nós e o que nos falta? Por sermos o que somos, o que poderíamos ser?
Cláudia Leitão é pesquisadora do Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade da Uece e consultora na área da cultura

O POVO DO SÉCULO XXI - ADOLFO MARINHO, Engenheiro

A percepção nacional da natureza do cearense é, para nós, um forte motivo de orgulho. Somos admirados como um povo trabalhador, afeito a superar vicissitudes e que sabe compensar a falta da luz do saber com talento e a habilidade. O cearense sente-se vaidoso quando se identifi ca com os inúmeros irmãos que se tornaram celebridades: Dragão do Mar, José de Alencar, Rachel de Queiroz, Clóvis Beviláqua, Chico Anísio, entre muitos outros. Uma série de fatos históricos, porém, foi construindo o estigma da miséria, que desmerece o Ceará e constrange o cearense. Desde o descobrimento ao fi nal dos anos 80 do século passado, na história do Ceará prevaleceu a trilogia maldita. A consensual inviabilidade climática que condenava o Estado à miséria eterna. A resignação mística que servia de conforto para milhões de fl agelados pelas secas. A mendicância institucional, praticada pelos políticos, que privilegiava o clientelismo e provocava o desatino na gestão pública. O Projeto de Mudanças, liderado por Tasso, promoveu a reabilitação institucional do Estado, saneando as finanças e moralizando a administração. Com isto pode obter financiamentos de agentes internacionais para a implantação da infra-estrutura e iniciar a transformação do Ceará, de exportador de flagelados para endereço de investimentos. Após 20 anos agrada perceber que o Ceará é tratado com respeito e interesse, Brasil afora, e até no exterior. Melhoraram as condições sociais e elevou-se a auto-estima do cearense. Entretanto, ainda estamos distantes do desenvolvimento desejado, fase em que o cidadão será capaz de prover, por si, suas necessidades e será livre para decidir sobre seu destino. A inserção competitiva do Ceará na economia nacional e no mercado mundial, condição básica para alcançarmos o desenvolvimento pretendido, exige o reconhecimento do Ceará, como vocacionado para a Civilização do Século 21. Por isto revelou-se desinteressante para exploração predatória de invasores e colonizadores, e mostra-se impróprio para diversas atividades econômicas predominantes no Brasil de hoje. Nossas condições climáticas, outrora consideradas adversas, na nova ordem econômica constituem vantagens competitivas. Sol e ventos em larga escala e extensa faixa litorânea abrem invejáveis perspectivas para geração de energia limpa e renovável, para o turismo o ano inteiro e para maior produtividade e qualidade em agronegócios de culturas nobres. Acontece que a Civilização do Século XXI, também é a Era do Conhecimento, e conhecimento é fator imprescindível para a exploração do nosso privilegiado potencial natural e para o desenvolvimento do design, da nanotecnologia, da biotecnologia, da indústria cultural, da tecnologia da informação e comunicação. Ou seja, para gerar o novo espaço das oportunidades de trabalho. Pena é que neste campo vêem-se apenas iniciativas esparsas. Falta um projeto para o Ceará realizar sua vocação e afi rmar-se na Civilização do Século XXI. Aí a auto-estima do cearense estará nas alturas.
Adolfo Marinho é diretor da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza, ex-deputado federal e ex-secretário do Desenvolvimento Urbano do Ceará (1994-1998)

Fonte: Jornal O Povo

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