domingo, 17 de agosto de 2008

VILA UNIÃO - Vila do sossego

Angélica Feitosa
da redação


Na boca dos moradores, o Vila União é descrito como bairro tranqüilo. Muita gente na rua a partir do final da tarde e à noite. Passeio na lagoa, futebol na praça, conversar sobre a vida no banco da igreja

O bairro Vila União existe desde 1940 e reúne quase 15 mil habitantes, cerca de muros, fica na rota dos aviões e comemora a paz que impera no bairro (Foto: ALEX COSTA) Mãos enfiadas nas chinelas japonesas. Palma protegida pela borracha, dedão e indicador de um lado da tira, os três restantes do outro. O menino ajeita o boné para trás enquanto, atento, se agacha e espera o ataque. Olho na bola e nos pé do adversário que se aproxima, ele se prepara. Um garoto chuta forte, o goleiro pula, espalma, pra fora. "Uuuuuu". Grita uma ruma de menino na beira da grade, tudo time de fora. "Béisso, macho, porque tu não passou pra mim?", reclama alguém do outro time, enquanto o goleiro joga pra cima o chinelo.

A pracinha do Vila União junta gente toda noite. A quadra em frente à Igreja Jesus Maria José é disputada. Por isso, tem menino que emenda do final da aula direto pra lá. "Meu pai conta que isso tudo aí era um matagal, até antes de ser um campo", joga da calçada de casa Antônio Augusto, 48, nascido e criado no bairro, em frente à praça. No muro e pintado de azul, o escrito "Zé do Buzo - Informador de ruas" ficou de registro, mesmo depois da morte do pai de um ataque cardíaco à beira da Lagoa do Opaia, em outubro passado. José Maria, o Zé do Buzo, era o maior conhecedor do bairro e a pessoa mais conhecida também. "Podia ser onde fosse, se dentro do Vila União, o pai sabia informar. De fora, dos derredores, também".

"Mas, menina, morar aqui é bom demais", se aproxima Lúcio Castro Júnior, apertando a bicicleta na área da casa de José Augusto. "Tudo que é bairro, você tem medo de andar. Aqui não. Você pode é amanhecer o dia nessa praça que ninguém mexe com você. O pessoal volta do trabalho e passa a noite toda aí, bebe umas canas, mas é tudo tranqüilo. Olha pra lá!", aponta para as crianças andando de bicicleta, rodeando a igreja. De noite, no Vila União, é gente na calçada em quase todas as ruas, compostas em maioria por casas térreas e alguns poucos sobrados. A concentração é maior no pólo de lazer construído à beira da Lagoa do Opaia e na praça que carrega o nome e a estátua de um antigo vereador, Aroldo Jorge Vieira.

No caminho do pólo, um corcel cupê 77 branco enfeita uma pequena lanchonete, numa casa de alpendre. É destacado pela parede azul, lustrado e brilhoso. Fica exposto e ninguém bole. Como esse carro foi parar aí? "É o que todo mundo pergunta", ri seu Francisco Paulo da Silva, 54, mecânico de uma empresa de ônibus, assistindo à televisão da sala de casa dividida com o ponto comercial. O carro virou chama para a lanchonete. "Faltou dinheiro para consertar. Tá aí, parado faz dois anos".

À Beira da Lagoa
O avião decola justamente na hora da notícia que seu José Maria Alves, 63, quer assistir. A melhor parte do noticiário quase sempre é interrompida pelo ronco estrondoso das aeronaves partindo das costas do aeroporto, na pista de decolagem colada com a casa do cambista. "É na hora que vai dizer o nome do cabra de morreu. É só um zuuuum. Tem que correr, pra aumentar o volume, senão perde". Seu Celinho se aprochega e revela mais uma faceta de se morar próximo ao aeroporto. "De madrugada, passa na mesma hora um avião. A gente já sabe que são três horas da manhã".

Os dois costumam ocupar as tardes à beira da Lagoa do Opaia, na margem próxima ao muro da Base Aérea. Nesse lado, o calçadão é irregular, quebrado e sem bancos, bem diferente da outra beirada, onde o fica o pólo de lazer. Uma belezura! Parquinhos espalhados ao longo da margem da lagoa, muita gente fazendo caminhada, adolescentes sentados em banco, churrasquinho e milho verde. "O lazer daqui é assim. Sai pra calçada, fala da vida, caminha, brinca nas quadras, não falta o que fazer não", aponta seu José Maria. "Mas, menina, tu percebeu? Quem vier para cá, não tem saída, tem que voltar", emenda o cambista, referindo-se ao muro da Base que envolve todo o oeste do bairro. Zé Maria antes de montar a banca para quem faz uma fezinha, foi motorista da Vila União, que junto ao Via Expressa/ Lagoa, formam as duas únicas linhas a passar pelo bairro.

"Aqui é seguro em quase todo o canto, até no Carandiru. Só não é pelo lado ali dos ricos, entre a (avenida dos) Expedicionários e a (avenida) Luciano Carneiro", aponta Larícia Julião, 13 anos, da pracinha do Vila. "Lá não tem um pé de pessoa na rua, é esquisito, você fica com medo". O "Carandiru" ao qual a garota se refere é, na verdade, o apelido do Planalto Universo, um condomínio que há quase cinco anos abriga os ex-moradores da área de risco que existia à beira da Lagoa do Opaia e da comunidade Maravilha, antes da reurbanização. São 648 famílias que vivem em blocos uniformes, amarelos ou cor de rosa, de janelas azuis ou amarelas também. A partir da Via Láctea, principal corredor, planetas, estrelas e satélite nomeiam as ruas do conjunto. Marte, Urano, Neturno, Sol e Lua.

"Eu acho que existe preconceito com a gente. Só em chamar de Carandiru, né? Quem é que gosta que sua casa seja comparada a um presídio?", fala Aurilene Tavares, moradora da Saturno, com a filha e o esposo. "Quando vou ao supermercado e perguntam onde moro para a entrega, eles dizem: 'Ah, no Carandiru', eu digo, 'Não, lá é Planalto Universo', tem que cortar!".

Pequenos mercantis em cada uma das ruas do bairro, inclusive na linha do trem. Vizinha a uma mercearia de frente ao trilho, uma senhora senta num banquinho, enquanto a filha de cara amarrada baixa a cabeça, para a mãe alcançar a nuca. Os cabelos arrepiados estão partidos em dois. A mãe aproveita o resto de sol, entrelaça os dedos pelos fios, procura mais um pouco. Achou. Coloca o bicho no cimento. Mata o piolho com a unha. Procura mais um pouco. Puxa forte as lêndeas presas aos fios. "Aiii, mãe", grita a menina. "Vem cá, só mais um, tá já acabando".


PERFIL
Fundação: 23 de agosto de 1940.
Área: 217,50 ha
População: 14.882
IDH: 0,556 (médio)
Área de risco: Comunidade da Infraero

Fonte: Jornal O Povo

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