domingo, 17 de agosto de 2008

Conjunto Esperança - No pagote do geladão

Amanda Queirós
da Redação


Para chegar ao Conjunto Esperança, leva-se pelo menos uma hora de ônibus. A viagem dá o tom de cidade de interior que ainda permeia o lugar

O polo de lazer do lazer do Conjunto Esperança que os moradores chamam de praça é o lugar que quem mora nas casas e nos apartamentos construídos no bairro (Foto: ALEX COSTA) A rua é asfaltada, mas carece de sinalização. A praça também resiste, apesar dos bancos quebrados e da grama estorricada pelo sol. O comércio apinha-se sobre as calçadas desordenadamente e quase transborda para fora delas enquanto a poluição visual bagunça a vista de quem pretende se orientar por ali. Esse ensaio de caos contrasta com o cheiro de interior exalado pelos moradores do Conjunto Esperança. Inaugurado em 1980, o bairro guarda certa herança dos anos em que tinha mais cara de sítio do que de cidade tamanha era a distância para se chegar ao centro de Fortaleza. A qualquer hora, não falta gente na rua e é raro cumprir um trajeto sem parar três ou quatro vezes para cumprimentar conhecidos.

Algumas dificuldades também permanecem. Ainda hoje, somente três linhas de ônibus conectam o bairro com os demais durante o dia. Pelo menos a paisagem do trajeto sofreu interferência o suficiente para entreter a vista de quem é obrigado a esquentar o assento do coletivo nas várias horas gastas para ir ao trabalho e voltar para casa. Há 20 anos, prometeram construir ali uma estação de metrô que deixaria tudo mais perto. Até agora, só se viu areal e a menção de um viaduto para driblar os trilhos.

Apesar das semelhanças com o passado, muita coisa mudou. Não há mais sensação de segurança como antes. Nenhum morador se vê voltando sozinho, a pé, de madrugada, de uma festa. Quem está acostumado com o lugar joga a culpa da violência nos vizinhos do entorno. Outro aspecto diferente é arquitetônico. As casas, antes todas iguais e sem muro algum, ganharam identidade própria ao longo dos anos. O térreo dos apartamentos deu lugar ao comércio e o aperto dessas construções se aprofunda com a profusão de negócios 2 em 1 - como o salão da Marlene, que promete alisamento e relaxamento de cabelos e tira mais uns trocados com uma banca de frutas montada logo à frente - ou mesmo com algo no estilo de Seu Torquato, que mistura a casa à mercearia para vender de palha de vassoura a bainha de peixeira. Tudo isso contrasta com as avenidas largas que delineiam o axadrezado dali e servem como sala de aula para as auto-escolas da região.

O Conjunto Esperança é um bairro relativamente pequeno. As casas estão instaladas em ruas identificadas por números que vão de 101 a 114. Perpendicularmente a elas, em ruas batizadas com letras do alfabeto, ficam os apartamentos - na verdade, prédios baixos de térreo e primeiro andar. Conta-se de uma grande rixa entre "a turma das casas" e "a turma do pombal", como era apelidada a galera dos apartamentos. O socorrista José Maria Monção, 45 anos, vive na região desde a adolescência e atesta a rivalidade. "A gente chamava de pombal porque eles se achavam melhores só por morar mais alto. Eu namorei pelo menos uma menina de cada rua, da 114 até a 101, e quando comecei a namorar uma moça do pombal, tinha que desconversar de onde vinha para não ser expulso dali", lembra ele, rindo.

Esses dois mundos convergem no Pólo de Lazer construído anos depois da fundação do bairro. Ninguém chama o lugar pelo nome. Para todo mundo, aquilo é praça. Uma turma improvisou uma cesta de basquete e a pendurou num poste. Já as senhorinhas dão voltas e mais voltas no espaço em busca de saúde. Nas noites, o espaço vira ponto de encontro para todas as idades. Gente de bairros vizinhos, que não têm equipamentos culturais, se desloca para papear e terminar o dia na brisa dali.

O pólo contém ainda um enorme campo de futebol e um palco todo pichado onde, vez por outra, ocorrem eventos da Prefeitura. A estrutura é tão grande que ofusca a existência de uma Igreja logo atrás e remodela o esquema praça-igreja interiorano no qual o templo tem mais destaque que a área pública. É também ao redor dali que se instala o principal point juvenil do Conjunto, o Geladão. O lugar era apenas uma lanchonete até o dono fazer um puxado e promover rodas de pagode e swingueira nos fins de tarde de domingo. O ingresso sai a R$ 2 e, nos dias mais badalados, homens entram com R$ 4 e mulheres, com R$ 2.

De acordo com o estudante Silas dos Santos, 13 anos, a festa bomba tanto dentro quanto fora. Como o local é apertado, muita gente prefere abrir o bagageiro do carro e comandar a própria batida do outro lado só aproveitando o zum-zum-zum alheio. Antes do surgimento do Geladão, o espaço que mais concentrava jovens, nos anos 90, era o Pinheiro Clube. A festa dali teve diversas fases. Rolou forró, música alternativa e, mais para o fim, funk ao estilo "pancadão". A balada começou a ficar pesada e, vez por outra, rolava tiro. A casa fechou e hoje se transformou em um templo da Igreja Universal do Reino de Deus.

Esse arsenal de diversão ainda é muito pouco para quem vive no Esperança, mas é suficiente para fazer os moradores criarem relações mais próximas com o bairro. Antes, para os mais novos, morar ali era só uma questão de tempo até se conseguir um lugar mais perto do centro. Hoje já tem gente querendo é voltar pro bairro onde foi feliz e não sabia.



PERFIL

População: 15.291
Renda média por chefe de família: R$ 419,13
Tamanho: 110 ha
Distância do centro: 13,7 km
IDH: 0,448

Fonte: Jornal O Povo

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