domingo, 17 de maio de 2009

Rol de loas pro meu Ceará


Do Antônio Bezerra ao Cariri, Eleuda de Carvalho faz um passeio de louvação pelo seu estado querido. No meio do caminho, faz pausas em vários lugares e encontra Estrigas, Patativa do Assaré, Moreira Campos, Ana Bilhar, entre outros

Começo invocando Santana mestra, por via dela dona Rachel de Queiroz, suas filhas Conceição e Maria Moura, as mulheres do sertão, todas, anônimas e nominadas - a Sinhá do Perereca, contadora de histórias e fazedora de bonecas de pano de quando eu era menina. Beatas caboclas, brincantes, guerreiras, louceiras, labirinteiras, agricultoras. E louvo a acauã, os caborés, corrupiões, almas-de-gato, as avoantes e os bichos todos da caatinga, que ainda resistem, feito a gente sobrevivente determinada. E os cardeiros, os pés de juá, carnaubeiras e cajus. As cozinhas de fogão a lenha, a galinha na água grande, o mel de jandaíra com farinha na cuia coité. Os jericos mansos e as altivas cabras. O céu azul e as noites de luar, ocasos vermelhos e manhãs de orvalho. As pedras encantadas e as chapadas, do Cariri sagrado à Ibiapaba aonde pregou António Vieira e onde foi devidamente devorado o padre Pinto: louvo o banquete, a comida, os comensais.

O Cego Aderaldo e Patativa, e Geraldo Amâncio, e os violeiros, emboladores de coco, rabequeiros, tocadores de sino, o maracatu, mestre Piauí do boi de Quixeramobim, o mestre Alfredo do Pife e a alegria dos Irmãos Aniceto louvo. E louvo Ednardo, Calé Alencar, Téti, Chico Pio, Waldonys, Mona Gadelha, Fernando Catatau e o Montage, cirandeiros, roqueiros, punks, seresteiros, os poetas da Praça do Ferreira. Gerardo Mello Mourão, Moreira Campos, os irmãos Maia - Virgílio e Luciano, a poeta Ieda Estergilda, os contos das Natércias (Campos e Pontes). A cerâmica da Côca. O filé da Perpétua. Os doces de dona Balu. A peixada, o baião de dois, o aluá do Café Azteca e o pastel da Leão do Sul, eu louvo, que é também poesia este vento, esta luz, o balanço do mar.

Louvo a Confederação do Equador, a Padaria Espiritual, a Sedição do Juazeiro, o Caldeirão, a Massafeira, O Saco, a Agulha do Floriano. O jornal O POVO. O jangadeiro Chico da Matilde - o Dragão do Mar, a moça soldado Jovita Feitosa, dom Edmilson Cruz, a professora Luiza de Teodoro, a Verinha do Mucuripe, a cacique Maria Pequeno, os Tapebas, frei Tito de Alencar, Rodolfo Teófilo, Antônio Sales, Ana Bilhar, dona Lurdes, Rosa da Fonseca, louvo todos que se dispuseram e se dispõem a lutar pela justiça, a liberdade e o sonho. Antônio Conselheiro, Ibiapina, dona Bárbara do Crato, Preto Zezé, o passado e o presente eu louvo. E louvo Naninha, Vassoura, Zé Tatá.

Praia de Iracema, Floresta, Barra do Ceará, Antônio Bezerra. O Benfica - e o casario preservado pela universidade. A UFC, o velho Liceu, o Ginásio Santa Maria Goretti que não existe mais, os grupos escolares da periferia louvo. A igrejinha do Patrocínio, aquela outra que espia o mar da Leste Oeste, a cinzenta catedral e a beleza dos seus vitrais. O Theatro José de Alencar, o cavalo de pastilhas do Aldemir no Dragão, a caixa-dágua do Leo, o cachorro vermelho de lata do Hélio, a árvore de ex-votos do Zé Tarcísio e seu jardim suspenso no burburinho de um bar. Louvo a boniteza do Estrigas na parede do moinho, e a arte do seu sítio acolhedor do Mondubim, ao apito do trem louvo Nice, seu sorriso, suas linhas, suas cores, o seu ouvido de ouvir flores eu louvo.

(Só não louvo o eterno descuido duplo com a nossa casa: o nosso mesmo e o dos que elegemos para nos representar).

>> ELEUDA DE CARVALHO é jornalista e doutoranda em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Fonte: Jornal O Povo

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