
Do Antônio Bezerra ao Cariri, Eleuda de Carvalho faz um passeio de louvação pelo seu estado querido. No meio do caminho, faz pausas em vários lugares e encontra Estrigas, Patativa do Assaré, Moreira Campos, Ana Bilhar, entre outros
Começo invocando Santana mestra, por via dela dona Rachel de Queiroz, suas filhas Conceição e Maria Moura, as mulheres do sertão, todas, anônimas e nominadas - a Sinhá do Perereca, contadora de histórias e fazedora de bonecas de pano de quando eu era menina. Beatas caboclas, brincantes, guerreiras, louceiras, labirinteiras, agricultoras. E louvo a acauã, os caborés, corrupiões, almas-de-gato, as avoantes e os bichos todos da caatinga, que ainda resistem, feito a gente sobrevivente determinada. E os cardeiros, os pés de juá, carnaubeiras e cajus. As cozinhas de fogão a lenha, a galinha na água grande, o mel de jandaíra com farinha na cuia coité. Os jericos mansos e as altivas cabras. O céu azul e as noites de luar, ocasos vermelhos e manhãs de orvalho. As pedras encantadas e as chapadas, do Cariri sagrado à Ibiapaba aonde pregou António Vieira e onde foi devidamente devorado o padre Pinto: louvo o banquete, a comida, os comensais.
O Cego Aderaldo e Patativa, e Geraldo Amâncio, e os violeiros, emboladores de coco, rabequeiros, tocadores de sino, o maracatu, mestre Piauí do boi de Quixeramobim, o mestre Alfredo do Pife e a alegria dos Irmãos Aniceto louvo. E louvo Ednardo, Calé Alencar, Téti, Chico Pio, Waldonys, Mona Gadelha, Fernando Catatau e o Montage, cirandeiros, roqueiros, punks, seresteiros, os poetas da Praça do Ferreira. Gerardo Mello Mourão, Moreira Campos, os irmãos Maia - Virgílio e Luciano, a poeta Ieda Estergilda, os contos das Natércias (Campos e Pontes). A cerâmica da Côca. O filé da Perpétua. Os doces de dona Balu. A peixada, o baião de dois, o aluá do Café Azteca e o pastel da Leão do Sul, eu louvo, que é também poesia este vento, esta luz, o balanço do mar.
Louvo a Confederação do Equador, a Padaria Espiritual, a Sedição do Juazeiro, o Caldeirão, a Massafeira, O Saco, a Agulha do Floriano. O jornal O POVO. O jangadeiro Chico da Matilde - o Dragão do Mar, a moça soldado Jovita Feitosa, dom Edmilson Cruz, a professora Luiza de Teodoro, a Verinha do Mucuripe, a cacique Maria Pequeno, os Tapebas, frei Tito de Alencar, Rodolfo Teófilo, Antônio Sales, Ana Bilhar, dona Lurdes, Rosa da Fonseca, louvo todos que se dispuseram e se dispõem a lutar pela justiça, a liberdade e o sonho. Antônio Conselheiro, Ibiapina, dona Bárbara do Crato, Preto Zezé, o passado e o presente eu louvo. E louvo Naninha, Vassoura, Zé Tatá.
Praia de Iracema, Floresta, Barra do Ceará, Antônio Bezerra. O Benfica - e o casario preservado pela universidade. A UFC, o velho Liceu, o Ginásio Santa Maria Goretti que não existe mais, os grupos escolares da periferia louvo. A igrejinha do Patrocínio, aquela outra que espia o mar da Leste Oeste, a cinzenta catedral e a beleza dos seus vitrais. O Theatro José de Alencar, o cavalo de pastilhas do Aldemir no Dragão, a caixa-dágua do Leo, o cachorro vermelho de lata do Hélio, a árvore de ex-votos do Zé Tarcísio e seu jardim suspenso no burburinho de um bar. Louvo a boniteza do Estrigas na parede do moinho, e a arte do seu sítio acolhedor do Mondubim, ao apito do trem louvo Nice, seu sorriso, suas linhas, suas cores, o seu ouvido de ouvir flores eu louvo.
(Só não louvo o eterno descuido duplo com a nossa casa: o nosso mesmo e o dos que elegemos para nos representar).
>> ELEUDA DE CARVALHO é jornalista e doutoranda em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Fonte: Jornal O Povo
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