quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Bar do Chaguinha completa 55 anos de tradição no Benfica

Sem luxo nem requinte, mas cheio de cliente fiel, o Bar do Chaguinha, no Benfica, chega hoje aos 55 anos de existência com a marca de ser um dos mais tradicionais bares da Cidade


Seu Chaguinha e Dona Arabenes comandam um dos bares mais festejados da Cidade (EDIMAR SOARES) Tinha tudo para ser mais uma mercearia de esquina. Um daqueles mercadinhos para onde a vizinhança corre quando falta o ingrediente de qualquer receita. Quando faltava combustível, também era para lá que os vizinhos iam porque até querosene encontrava ali. Isso lá pelos idos de 1956, quando Francisco Ferreira Neto, vulgo Chagas, mais conhecido como Seu Chaguinha, veio do Piauí trazer o sogro para um tratamento de saúde e por aqui decidiu construir sua vida.

O rumo do negócio mudou quando os grandes supermercados apareceram. As prateleiras cheias de mantimentos começaram a ser preenchidas por combustível para as noitadas de seus frequentadores. A mercearia de esquina virara lugar de ir e se deixar ficar para uma conversa ao pé do balcão. O comerciante piauiense agora ganhava a vida como dono de bar. Tornara-se o proprietário do Bar do Chaguinha, que hoje chega aos seus 55 anos de vida, com o respeito de ser um dos mais tradicionais bares da cidade.

Luxo e chiqueza passam longe do bar incrustado bem no meio do Benfica. A arquitetura continua quase a mesma da mercearia de esquina aberta em 1956. Mas quem liga pra isso? A freguesia enche o local todos os finais de semana, nem que seja para comer uma panelada sentado numa mesa do outro lado da rua. “Se fosse um bar chique, num tinha a clientela que eu tenho, não. É só gente de classe. ‘Perrapado’ num vem aqui, não”, diz Seu Chaguinha, tido, para alguns, como o Seu Lunga do Benfica. “São 50 e tantos anos e os clientes velhos que não morreram ainda aparecem.”, garante o comerciante, na beirada de completar seus 79 anos.

A tradição e a clientela fiel do Bar do Chaguinha se fez em cima da simplicidade. Além do espaço – que inicialmente funcionava em frente a onde é hoje -, o cardápio não dá tantas opções assim para cliente, mas é suficiente para atrair gente de toda a Cidade. As oito delícias oferecidas ali são preparadas diretamente das mãos de Dona Arabenes Ferreira, companheira de Seu Chaguinha há 56 anos. “Eu tenho a melhor panelada da Cidade. A minha patroa é que faz em casa”, orgulha-se ele. Ela, no entanto, aposta na limpeza do bar como o principal atrativo. “Nossos banheiros são sempre limpos e cheirosos. O que importa é limpeza”, ressalta.

Se a comida atrai, a música é que faz voltar sempre. Pelo menos é o que seu Chaguinha imagina. “É a música que mexe com o coração do povo, minha filha. E a minha seresta é muito boa”, promete. Foi dessa paixão que o quase octogenário topou receber, em 2008, em frente ao seu bar, um dos blocos de Pré-Carnaval mais famosos de Fortaleza, o Luxo da Aldeia. Ele mesmo não se considera um carnavalesco, mas toda sexta-feira não deixa de ir para trás do balcão acompanhar o movimento dos foliões que tomam o seu bar. “O pessoal é que gosta, aí a gente tem que fazer”, esquiva-se.

O tempo já passou, mas os muitos anos ainda não foram suficientes para tirar desse senhor a “mania” de, diariamente, às 8 horas da manhã, ir para o bar esperar um velho cliente que queira uma companhia uma cerveja, ou apenas para um papo. “O que a gente tinha que fazer na vida já fez. Os filhos já estão criados... Agora é só complemento”, pontua. “Isso aqui é o que me mantém vivo. Se não tivesse o bar para fazer essa horinha, já tinha morrido. Gente velha, se parar, é caixão!”.

Onde

ENTENDA A NOTÍCIA

Aberto há 55 anos, o Bar do Chaguinha fica no coração do Benfica (Rua Padre Francisco Pinto, 144), mas seus frequentadores vêm de todos os cantos da Cidade para experimentar a famosa panelada do Chaguinha e a cerveja sempre geladíssima.

Fonte: O POVO Online/OPOVO/Vida e Arte

sábado, 12 de junho de 2010

Há 79 anos, Camocim parou para ver hidroavião pousar


DE FABRICAÇÃO ALEMÃ, o hidroavião Dornier DO-X causou surpresa para os moradores da pacata cidade de Camocim, em 13 de julho de 1931, quando pousou no Rio Coreaú


Quando o avião ainda era uma raridade no mundo, cearenses se surpreenderam ao ver o primeiro hidroavião



Rio Coreaú foi palco de fato inusitado para a época em que os aviões eram pouco conhecidos pelos cearenses

Brasília. Amanhã completa 79 anos que o maior hidroavião já construído no mundo, o Dornier DO-X, desceu em Camocim, escala dessa única viagem. O avião alemão de 12 motores não teve o sucesso comercial que seu idealizador, o professor alemão Claude Dornier, imaginou. Depois de percorrer 43 mil quilômetros, foi levado para o Museu da Aviação de Berlim, onde terminou destruído em um bombardeio durante a Segunda Guerra Mundial.

Foi grande o alvoroço provocado pelo avião na pequena e pacata cidade de Camocim no dia 13 de junho de 1931. O avião, inventado no ano de 1903 pelos irmãos Wright, como querem os americanos, ou em 1906, quando Santos Dumont voou com o 14 Bis, em Paris, ainda era uma "coisa do outro mundo". Conta-se que, nos anos 50, na Serra da Ibiapaba, uma mulher perdeu o marido porque, ao ouvir o som de um avião, pensou que o mundo estava se acabando e resolveu contar-lhe que o tinha traído.

As companhias aéreas não existiam como hoje e os inventores ainda estavam com a mão na massa tentando colocar no ar aparelhos que transportassem pessoas mais rápido do que os navios e trens.

O hidroavião é equipado para utilizar uma superfície aquática como pista de pouso e decolagem. Na verdade, o transporte dessa modalidade nada mais é do que um barco voador.

O primeiro deles foi projetado pelo francês Alphonse Penaut (1876), mas nunca foi construído. Outro francês, Henri Fabre, realizou o primeiro voo de hidroavião em Martigues, França (1910), mas foi o projetista de aviões norte-americano Glenn Curtiss que pilotou o primeiro hidroavião prático em San Diego (EUA), e transportou o primeiro passageiro, ambos os feitos realizados em 1911. Nas décadas de 20 e 30, muitos países estavam construindo hidroaviões para uso civil e militar. Na segunda metade dos anos 30 começou a era dos hidroaviões gigantes, iniciada pelo Dornier.

Transporte seguro

O professor alemão Claude Dornier, em 1929, engrossou a lista dos que queriam colocar no ar um transporte seguro e rápido. Foi no estaleiro do Lago Constance que ele conseguiu concluir seu invento, batizado de Dornier DO-X. Um gigante hidroavião para o transporte civil. Podia levar 72 passageiros e 20 tripulantes.

O primeiro voo-teste, no dia 12 de julho de 1929, foi sobre o Lago Constance. Depois de outros testes, fez seu primeiro voo com 169 pessoas a bordo no dia 21 de outubro de 1929. Tudo testado e aprovado, o professor Claude parte para sua ousada viagem de longa distância. Levanta voo no dia 5 de novembro de 1930 num cruzeiro mundial.

A rota começou pela Europa, mais exatamente no Rio Reno. Foi a Amsterdã e de lá voou para Calshot, na Inglaterra, Bordeaux, na França, La Coruna, Espanha, e Lisboa, em Portugal, onde um acidente interrompeu a viagem. Pegou fogo na asa esquerda, o que atrasou a viagem em mais de um mês. Decolou no dia 31 de janeiro para Las Palmas, na Ilhas Canárias, onde enfrentou mais problemas. Bateu num banco de areia e o avião ficou parado por mais três meses. Depois de voar pela costa africana atravessou o Oceano Atlântico. O tanque de 16 mil litros de combustível praticamente vazio fez com que esse navio-voador descesse em Camocim, na manhã daquele dia 13 de junho de 1931.

A população de Camocim, mesma acostumada a ver a amerissagens (pouso na água) como a que o aviador Pinto Martins fez em 19 de novembro de 1922, tomou um susto quando viu o DO-X. O aviador Euclides Pinto Martins fez o primeiro voo dos Estados Unidos para o Brasil, saindo da Flórida. Nem esse feito do filho do Município de Camocim provocou tanta comoção na cidade. Pinto Martins pilotava o hidroavião biplano, de 28 metros de envergadura e dois motores "Liberty" de 400hp, cada. Acompanhados por um jornalista e um cinegrafista, decolaram uma máquina de oito mil quilos, criado na pioneira Fábrica Curtiss. Já o DO-X parecia um navio-voador movido por 12 motores. O DO-X mais parecia uma nave espacial, uma coisa do outro mundo.

Orlando é um homem culto. Ler é seu passatempo preferido. A memória invejável faz a diferença. Os amigos o chamam de Google. Tem na ponta da língua resposta para qualquer pergunta sobre política, história, geografia ou conhecimento geral. Atualmente, o paulista mora em Brasília, onde dirige uma ONG que cuida do meio ambiente da Amazônia, mas já exerceu outras profissões. Militar da reserva do Exército, lembra que o hidroavião ficou em frente à Estação Ferroviária da cidade.



Pioneiro

1911 foi o ano do voo de um hidroavião que transportou o primeiro passageiro em San Diego (EUA), pilotado pelo projetista norte-americano de aviões, Glenn Curtiss

HISTÓRIA ORAL

Barcos no Rio Coreaú levavam moradores para a novidade

Brasília. Nos anos 30 e 40 do século passado, segundo relato de um antigo comerciante de Camocim, Ildemburgue Aguiar, na época criança com 9 anos, era grande o movimento de hidroaviões pousando nas águas do Rio Coreaú. Os aparelhos vindo dos EUA entravam no Brasil, passando por Belém, Camocim, Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Pessoas de Fortaleza pegavam o trem que passava em Sobral e chegavam a Camocim para embarcar para aqueles destinos.

Até hoje a história é lembrada pelos mais antigos e já foi alvo de matérias como a que foi publicada pelo jornal "O Literário", de Camocim. No texto, o jornal fala de um tal Ildemburgue, que na época tinha 9 anos de idade. Orlando conheceu muito Ildemburgue Aguiar. Nas visitas que fez a Camocim estabeleceu amizade com o comerciante, cuja loja, por coincidência, ficava em frente à Estação Ferroviária. "Era uma figura muito simpática de porte caucasiano e que por várias vezes comentou sobre o DO-X", comenta Orlando.

Ildemburgue lhe contou que foi levado num barco, junto com outras crianças, para ver de perto o gigante. Os barqueiros cobravam uma pequena quantia para levar os curiosos para perto o avião.

Artur Queiroz, outro camocinense que viu o avião, conta ao jornal "O Literário", que o DO-X ficou parado ali de manhã até à tarde sem que ninguém desembarcasse. O avião tinha no seu interior sala de estar, bar, restaurante e cabine com cama. Se tinha passageiro a bordo nenhum se arriscou enfrentar o calor na pequena cidade sem uma atração que merecesse um passeio turístico, embora já fosse importante interposto comercial com ferrovia e porto. A demora foi suficiente para que os barcos de apoio carregassem combustível em latas de 20 litros que foram abastecendo o tanque da belonave que, segundo jornal, queimava 400 galões por hora. A inesperada visita virou notícia que correu mundo a fora. Em Fortaleza, muita gente se preparou para ir ver de perto o avião quando ele chegasse à Capital. As pessoas ficavam olhando para céu na expectativa de vê-lo passar com toda sua imponência.

No início da tarde daquele 13 de junho, o DO-X levantou voo em direção a Natal e de lá para o Rio de Janeiro, frustrando os que esperavam por sua passagem na Capital cearense. No Rio, ele foi fotografado sobrevoando a enseada de Botafogo. Do Brasil, seguiu para Nova Iorque, onde teve que ficar alguns meses por causa do inverno. O DO-X retornou a Berlim muito danificado. Com muitos problemas técnicos e sem êxito comercial, o projeto foi arquivado. O avião foi levado para o Museu de Berlim, onde foi destruído num incêndio provocado por bombardeios na Segunda Guerra Mundial. Em 1945, o DO-X desapareceu sem nunca ter entrado em serviço regular.

Fonte: Jornal Diário do Nordeste

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O Abrigo Central


Abrigo central: à época funcionava como um verdadeiro ponto de convergência da cidade, reunindo, em seu espaço, diversas classes sociais
ABA FILM


Por muitos anos seguidos, o Abrigo Central foi foco de atração dos fortalezenses. Em meio a seus espaços, transitavam vários tipos de pessoas negociando, passeando e apanhando ou coletivos para diversos bairros da nossa Cidade. Talvez para suprir a retirada dos bondes, carros de empresas estrangeiras de transportes coletivos passaram a explorar o mesmo o ramo, com a finalidade de substituir o transporte que durante mais de cinquenta anos foi utilizado pelos citadinos de nossa cidade, quase sem memória

Assim foi se dilapidando sem que tivesse menor cuidado que estava a serviço daquele "comboio", de uma população que crescia a olhos vistos, com ares de metrópole, deixando sem assistência e conservação o que deveria ter perdurado muito mais, para aniquilar com nostalgia dos velhos tempos que passaram com lembranças imorredouras, para quem tanto se utilizou daqueles carros que corriam sobre trilhos trepidando, controlado pelos pés do motorneiro. Para fazer parar o carro, ele se utilizava da manivela impulsora, dando partida rumo aos diversos locais, hoje bairros tão famosos.

Com correr do tempo todos os prédios que compunham a ala norte da Praça do Ferreira foram derrubados. Esta demolição deu lugar ao terreno onde foi edificado o Abrigo Central de Fortaleza, na gestão do Prefeito Acrísio Moreira da Rocha - isto na década de 50 do século passado.

O ponto de partida

Naquele espaço retangular do terreno formado pelas ruas Guilherme Rocha, Pará, Floriano Peixoto e Major Facundo, foi construído o Abrigo Central, iniciativa do então Prefeito Acrisio Moreira da Rocha. Era um local onde se agrupavam políticos, torcedores de futebol e pessoas que ali se dirigiam para apanhar ônibus de vários bairros, e linhas que circulavam a Cidade, pela Empresa São Jorge, com destino a Praça São Sebastião (Mercado) depois Praça Paula Pessoa (Ruas Justiniano de Serpa, Dom Jerônimo) - Farias Brito, cujo local existiu o tradicional Jardim São José, mais conhecido como Jardim Japonês, da família Fujita, dos meus amigos - João Batista, Nisabro, Edmar, Francisco (Chico), Luzia e Maria José que injustamente sofreram opressões com o "quebra-quebra" no tempo da 2ª Guerra Mundial de 1944.

Com a demolição da quadra da Praça do Ferreira (lado) do prédio da Intendência e demais casas comerciais (entre as ruas Floriano Peixoto e Major Facundo), na gestão do Prefeito Acrísio Moreira da Rocha, foi construído em 1949 - o Abrigo Central, num espaço da metade da quadra, entre a Rua Pará e Guilherme Rocha.

Dos departamentos

Lá se instalaram vários boxes, tendo o centro, formato de meia lua, onde foram colocadas cadeiras, especialmente para servir de engraxataria; pelo lado direito, havia um boxe para venda de selos mercantis, bilhetes de Loteria Federal, Estadual, estampilhas, os quais eram colocados para aferição pela Secretaria da Fazenda nos livros próprios (mensalmente) e outros selos para requerimentos dirigidos às repartições federais, estaduais e municipais; em seguida o boxe do Café Hawaí; Café Presidente e o Café Wal-Can; um boxe da Livraria Alaor; casas de discos conhecida como Discolândia e os boxes portáteis do Sr. Bodinho, do Sr. Raimundo e do Sr. Holien com variadas mercadorias; no lado esquerdo da Rua Pará - O Posto de carros de aluguéis - Posto Pará da Sra. Odete Porfírio Sampaio, com luxuosos carros de passeio que eram contratados previamente para sepultamento, casamento e batizados; e o preço obedecia a uma tabela especial, estabelecido com o Sr. Maninho Câmara.

Ainda no hall do Abrigo - o celebre e inesquecível "Pedão da Bananada" e os famosos sanduíches , cognominados "espera-me no Céu", "cai duro", comprando um dá direito envelope de Sonrisal, vitamina "KH" na hora; existia um funcionário especialista no ramo de merendas de frutas, Sr. Musse - pai do Dr. Musse; no final do corredor do Abrigo, o Café Hawaí; ao lado garapeira do Sr. Peixoto, pai dos amigos Genário e João Peixoto, cuja venda de guaraná (artificial), água mineral com e sem gás, groselha, limonada muito apreciada por todos que frequentavam o Abrigo Central. Ainda pelo lado da Praça do Ferreira, a parada de ônibus da Empresa São Jorge - Kalil Otoch, as linhas do centro, Soares Moreno, Praça São Sebastião, Cemitério, D. Jeronimo, Justiniano de Serpa, que muito facilitava a vida dos que moravam no centro - uma realidade muito diferente da vive nos dias de hoje, com tantas transformações que sofreu a arquitetura de nossa cidade.

As mãos do progresso

Em 1969, a Prefeitura de Fortaleza tendo à frente o Prefeito - engenheiro José Walter Cavalcant - tomou a iniciativa de mandar demolira primitiva Praça do Ferreira, construindo outra que não teve boa aceitação por parte dos fortalezenses por ser de esquisita arquitetura. Com a demolição da antiga Praça do Ferreira, houve uma divisão, modificando a parte norte da praça, compreendendo o início da Rua Guilherme Rocha. Aí funcionaram o prédio da Intendência e diversas lojas de armarinhos, dando, agora, lugar ao famoso Abrigo Central. A administração do então Prefeito Acrísio Moreira da Rocha, anteriormente eleito pelo voto popular em 1947 e, depois, em 1955 quando imprevidentemente assinou decreto demitindo quinhentos (500) funcionários do município o que causou muito repúdio aos funcionários do município.

Na segunda gestão do prefeito Acrísio Moreira da Rocha, foram retirados de circulação todos os bonde da Capital, dando lugar ao uso do transporte do ônibus para diversos bairros, cujas linhas denominadas Benfica estacionavam numa alameda leste da praça, na mesma direção os ônibus do Prado, Jacarecanga, cujo proprietário Sr. Oscar Pedreira os matinha sob vigilância, por conta dos vandalismos de certos alunos do Liceu do Ceará, que não poupavam os veículos das mais cruéis danificações:os assentos de couro sob giletes. O proprietário Sr. Oscar Pedreira levava o tempo todo a fiscalizar os ônibus, procurando flagrar os alunos mais peraltas que praticavam tais atitudes prejudiciais ao patrimônio, defendendo a ponto de se envolver com o uso de aplicação de corretivos contra a insubordinação da estudantada, que após se livrarem do proprietário, entoavam canções em tom pilhérico e, também, agressivo.

ZENILO ALMADA
COLABORADOR*
* Advogado

FIQUE POR DENTRO
O Abrigo na cidade

Com a construção do Abrigo Central, novas linhas de ônibus da Empresa São Jorge, da família Otoch, passaram a fazer uso de linhas que circulavam pelo centro da cidade, como os ônibus Soares Moreno, Farias Brito, Igreja da Nossa Senhora das Dores, Justiniano de Serpa, Cercado José Padre, D. Jerônimo. Quem vinha de diversos locais ou residências, ao descer no Abrigo Central, era como quem chegasse alheado. Lá se deparava com aglomerado por grande número de pessoas que por ali se dirigia para iniciar o bate-papo. As segundas-feiras tinham início com a calorosa manifestação de torcedores de time futebol, num alarido ensurdecedor quando os comentários se relacionavam com os principais clubes de nossa Fortaleza. Se o jogo se relacionava com peleja entre Fortaleza, Ceará, Ferroviário, Gentilândia, parecia que o Abrigo viria abaixo, com tanto entusiasmo por parte dos apostadores dos times ou torcedores ferrenhos, a ponto de haver brigas entre os mesmos. E tudo terminava com algazarra ainda maior, porque ali era local de encontro dos desocupados ou quem marcava encontros de negócios.

Fonte: Jornal Diário do Nordeste

domingo, 7 de março de 2010

Era uma vez uma rua e uma cidade


Praça do Ferreira , à época, numa perfeita harmonia entre o espaço físico e os interesses humanos - organismo vivo de nossa cidade
FOTO : ACERVO DE MARCINAO LOPES
7/3/2010


Na vida, temos, com o correr do tempo, variados momentos, em que cada um traz invisível marca de presença que vem, ao final de cada jornada, formar na sua época própria, para registrar o passar do tempo, tornando-se memória. E memória é, antes de tudo, a capacidade de repetir. Que tal nós percorrermos ruas e lembranças de nossa cidade?

Ah! tempo inexorável e pertinaz, que só tira a beleza de bem viver, a começar por fixar profundas rugas na face, vincada por longos lóbulos carnais tirando toda graça antes irradiante, hoje verdadeiro cemitério facial onde se acha sepultada a formosura do encantamento, que serviram de palco da alegria dos nossos sentidos tão intimamente entrelaçados a nossa mente, compunham o conjunto por nós criado e cultivado durante a nossa existência entre os seres que se amam, entrelaçam-se mutuamente transformando num só corpo e alma.

Com o passar de cada ano, vem de nós tomar conta a velhice velozmente, sem mesmo ser chamada, mas inevitavelmente como maior componente de nossa vida. Agora decadente, a nossa existência, a passos céleres ou galopantes, prostra-se, destruindo, inexoravelmente, toda nossa estrutura.

Dos mistérios

Quanta temeridade o mundo reserva aos mais diversos habitantes do hemisférico planeta? É bem melhor imaginar a ceia dos apóstolos naquela imensa mesa onde se repartem pão e vinho que alimentam corpo e alma, purificando corações diante daquela partilha por Jesus celebrada na Semana Santa. E a gente fica a pensar que o tempo demora a passar!...

Eis que, num sopro, chega-se ao término de mais um ano, deixando as lembranças ou ferindo mais profundamente as saudades, que ficam a magoar o coração já cansado de bater e sofrer os infortúnios da vida, mas também acalentado por momentos inesquecíveis que suplantam as dores e são enlevo, embora saudades fiquem de realce, emoldurando o tempo que chega repentinamente, e, sai sem dizer adeus

Refazendo novelos

Tudo tão ilusório, e, no engano dos nossos sentidos, deixa a nossa mente enleada pela fantasia nos parece tudo verdadeiro.

Mas tudo na vida tem o seu lado ilécebras, que nos enganam e mostram como somos frágeis diante da sedução que o mundo o oferece e fascina. Se voltarmos o pensamento para o passado,em direção a Fortaleza dos tempos que não retroagem, olhando para trás não tão distante, para relembrar com mais freqüências os fins de noites, iluminada por prateada lua dum céu salpicado por cintilantes estrelas, vagalumeando a abóbada celeste, num eterno piscar fosforescente em vigília noturna, nas saídas do encerramento das sessões dos cinemas frequentados por diferentes camadas sociais que se deslocavam no centro da cidade em busca de retorno a residência... Ah, quanta coisa, agora, estaria diante de nós, como inscrições, magicamente, refeitas!

Trilhando ruas

A começar pelos Cines Diogo e Moderno, que tinham uma frequência elitizada, cujas salas de espetáculos eram mobiliadas aos moldes dos cinemas do Rio de Janeiro; em seguida, o Cine Majestic, com entrada na Rua Barão do Rio Branco, frequentado, também, por diversas classes, pois não fazia exigência de trajes elegantes, nem calçados. ( Àquela época, em Fortaleza, a maioria não tinha sapatos, usava tamancos feitos de madeira, com plataforma de calcanhar elevado, semelhante aos tamancos usados pelos portugueses no Rio de Janeiro, os quais se dedicavam aos serviços braçais de empurrar carros com duas rodas para transportar mercadorias no centro da cidade.

Um tipo singular

Aqui na Rua Barão do Rio Branco, vizinho ao cine Majestic, havia uma fábrica de gelo da Empresa Ribeiro - Luis Severiano Ribeiro, cearense, percussor dos cinemas em quase todo Brasil. Um funcionário dessa fábrica de gelo percorria com seu carro de mão o centro da cidade vendendo barras de gelo, protegido com serragem (evitando dissolver rapidamente o gelo) para atender diversos estabelecimentos da cidade. Durante anos a fio, como funcionário da empresa Luis Severiano Ribeiro, dedicou-se a esse trabalho.

A singularidade desse personagem, por ser idoso, deficiente visual, dirigia transporte de risco para sua idade, merecia dos que guiavam carros, a devida consideração dando-lhe preferência o trafegar do seu carro de rodas aproveitada de veículos usados.

Sem embaraços se desvencilhava dos demais carros, conduzindo durante o expediente de trabalho, grande quantidade de barras de gelo para o comércio central. Outros transportavam diversas peças de tecidos, bobinas de papel em resmas de uma loja para outra, abastecendo lojas, armazéns, enfim um atendimento em forma de intercâmbio entre comerciantes ou abastecimento às filias, sem se falar nos famosos chapeados dos fins de quarteirões ou da Estação Ferroviária do Ceará - R.V.C. (Rede Viação Cearense).


Zenilo Almada
Colaborador
* Advogado

Da instabilidade do mundo

Se perguntarem alguma coisa sobre o ano que se findou, darei atualizada resposta plagiando a letra e música de Toquinho: "A vida tem sempre razão - A gente mal nasce começa a morrer - Sei lá, sei lá - A vida é uma grande ilusão..."

Entretanto nada tem a ver o enredo da música nem tampouco do conteúdo abordado. Apenas ouvindo-a, com certa atenção, notamos a sonoridade e a docilidade da composição, com a qual me deleito da musicalidade que sonoriza o estado de espírito, e, dão agradável suavidade, tornando momento inesquecível, atento, repondo o bem-estar de quem passou parte do tempo do dia numa azáfama do trabalho, exercitando a mente, nossa poderosa fonte de saber, de sentimento, enquanto a velhice não se aproxima de nós tomando conta, porque daí por diante termina nossa poderosa fortaleza, dos grandes feitos e domínios, embates e guerrilhas, vencendo os percalços que advém silenciosos, tornando-nos pigmeus, reféns do próprio destino.

E, vemos a velhice sorrateiramente chegar sem permissão, se aboletando e aquartelando na nossa mente, passando a comandar nossa pessoa, num processo de regressar até atingir a condição de criança.

E dessa luta imbatível vence o mais forte - o tempo. O tempo é inexorável e na impiedade de sua soberania não tem complacência nem posterga fatos. Consome com impetuosidade porque não sabe se apiedar do sofrimento dos seres. Para ele, tudo não passa de meros fragmentos soltos ao tempo, que se encarrega de voltar à sua origem - o pó.

Diz a Sagrada Escritura, segundo seus Apóstolos: "Tu és pó, e em pó te tornarás." Assim pensando na pequenez dos nossos cromossomos nada somos. Portanto não vale a pseudo aparência, todos nós somos iguais. Sem profundidade facilmente sabemos que, quando morremos, nossos restos se desintegrarão na mais pura metamorfose: do nada ser além de terra que se encarrega da nossa transformação biológica.

Fonte: Jornal Diário do Nordeste

O cotidiano que passava por uma rua


Praça José Alencar : este espaço bem traduzia os ares bucólicos e provincianos de uma Fortaleza só possível na memória
FOTO: ARQUIVO DE MARCIANO LOPES
7/3/2010


Mas voltando a "vaca fria" - a Radio Iracema, inaugurada nos altos de prédio de quatro (04) andares, considerado um dos mais altos arranha-céus da cidade de Fortaleza - Edifício com Loja de tecidos "Duas Américas", esquina da Rua Barão do Rio Branco com rua Guilherme Rocha. Mantinha auditório com capacidade para receber grandes astros e estrelas do Rádio brasileiro, inclusive Vicente Celestino, Dilu Melo, Emilinha Borba, Jararaca e Ratinho, Badu, Orlando Silva, Cauby Peixoto, Ataufo Alves, Nelson Gonçalves, Carmem Costa, Miltinho e outros, todos trazidos sob os auspícios do empresário Irapuan Lima - sem se falar na prata da casa, composta de uma plêiade de grandes interpretadores das mais belas páginas musicas jamais esquecidas por seus apreciadores.

Das iguarias

Pela Rua Guilherme Rocha existiu por muitos anos, esquina com a rua Senador Pompeu, a Padaria Palmeira do português Albano Ferreira da Silva, com doces, bolos e biscoitos. Chamava atenção por ter um enorme fiteiro de vidraça com prateleiras, fixado na parede lateral da padaria pelo lado da rua Guilherme Rocha, onde poderia ser visto por quem passasse ou entrasse para comprar o pão da tarde. De longe se sentia o agradável aroma do "pão sovado" ou "massa fina" ou ainda "pão de forma".

Na Padaria Palmeira, havia uma quadrinha escrita pelo proprietário: (Texto II)

Ao cair da tarde, a maioria da freguesia se movimentava para regressar as suas residências e poder saborear o pão quente regado a uma boa manteiga de 1ª (primeira) qualidade, e o cujo café com leite complementava refeição.

Dos pescados

As pessoas que residiam nas imediações do centro da cidade, nas ruas Senador Pompeu, General Sampaio, 24 de Maio, Av. Tristão Gonçalves, Av. do Imperador, Princesa Isabel, Teresa Cristina, Padre Mororó, Agapito dos Santos até mais ou menos na Rua Conselheiro Estelita, também costumavam descer pela Alberto Nepomuceno em busca da Praia de Iracema para comprar peixe fresco: biquara, ariacó, cavala, alvacora ou albacora, pargo, cangulo, beijupirá, galo do alto; tudo nas suas respectivas épocas de pesca, também o molusco "polvo" e "lula" de apreciável preferência por quem consome mariscos, servido no almoço ou no jantar, por ser tratar de uma refeição frugal.

Os vendedores de pescados se posicionavam na Praia do Peixe, hoje Praia de Iracema, ou nas calçadas de antigos prédios centenários na Av. Alberto Nepomuceno, na Secretaria da Fazenda, sobrado da família Frota Machado, depois de propriedade do Sr. Bené de Castro e Dr. Alber Vasconcelos (D. Fernanda e D. Maria Esther).

Pontos comerciais

Ainda na rua Guilherme Rocha se localizavam as mais nobres residências e estabelecimentos comerciais, um desses, a Loja Guanabara, do Sr. Duarte, próximo à Sorveteria Cabana; sem se falar nas demais casas comerciais situadas no correr do primeiro quarteirão da Rua Guilherme Rocha, esquina da rua Major Facundo (lado direito em direção da rua Senador Pompeu): havia, dentre tantos, a Farmácia Francesa; seguia-se da Loja Ideal do Sr. Clovis Costa e sua irmã Alzira Costa. Estabelecimento Benjamin Angert ourivesaria, trabalhos de fino acabamento como colares de pedras preciosas e pulseiras; Relojoaria Sansão e Movado. No meio da quadra, a famosa Lanchonete Cearazinho; Relojoaria Cancão; Farmácia Conceição, esquina da Rua Barão do Rio Branco; antes de chegar na rua Senador Pompeu a Farmácia São José; e, Livraria José de Alencar do Sr. Estolano Polari Maia - Cônsul do Paraguai.

Do lado esquerdo (ímpar) 1º primeiro quarteirão, esquina da Rua Major Facundo, havia a loja de tecidos Bradway, do Sr. Alberto Bardawil; Farmácia Santa Helena e, entrada para o pavimento superior do Clube do Advogado, Loja de Disco Vox, Gávea do Sr. Julio Coelho, Edésio Revistas e Jornais, Casa Americana, Casa Parente do Sr. Inácio Parente, Tarcísio Parente defronte Café Expresso.

Imagens do passado

No quarteirão da Rua Guilherme Rocha, entre as ruas Barão do Rio Branco e Senador Pompeu, com a demolição de vários prédios foi edificado o Edifício Beliza, defronte a Padaria Palmeira; seguiam-se de várias casas com pequeno comércio de ourivesaria e conserto de relógio, bares, depois a confeitaria Ritz do Sr. Luis Frota, Livraria e na esquina Mercearia Tabajara com produtos de cereais de 1ª qualidade.

Na mesma direção (direita de quem vai para o final da rua), na esquina o Bar Americano do Sr. Pedro Benício Sampaio, conhecido por vender caldo de cana e cajuína e em épocas do inverno, vendia canjica, pamonha, milho verde e o inesquecível aluá.

O que se dissipou

Na Praça José de Alencar, situava-se a escola de datilografia da Sra. Nenen Lopes, irmã do Desembargador Daniel Lopes, ao lado da Fênix Caxeiral, de uma quadra de basquetebol, depois Serraria Lopes, numa diagonal a Serraria Viana, até alcançar a Padaria Ideal dos irmãos J. Neto Brandão - Jaime João e Jorge Brandão.

Do mesmo lado na esquina, lado ímpar a casa do Dr. Newton Gonçalves, Cia. Cinemar, depois fabrica de gelo, casa do Dr. Periguari de Medeiros, José Emygio de Castro, Escola de Datilografia D. Albertina, bangalô que serviu de residência do Promotor Público - Vicente Silva Lima, em frente à Mansão que ocupava toda quadra pelo lado impar de propriedade do Abolicionista Alfredo Salgado, amigo do meu bisavô português Joaquim Dias da Rocha, cortada pela Vila Ipu, onde foram construídos varias casas.

Sombras de um crime

Na quadra seguinte as residências de João Diogo de Siqueira, Dr. Álvaro Andrade Neto, Sr. Sebastião Guimarães Costa com suas filhas Lais, Zaira e Nair Dias da Rocha Costa, Dês. Banhos Neto, Juvenil Hortêncio de Medeiros, do lado impar família do Dr. João Hipólito de Azevedo e Sá, D. Narcisa Cunha Borges mãe do Cel. Murilo Borges, ex-prefeito de Fortaleza, cujo casarão tinha uma escada externa pela Rua Padre Mororó local em que D. Narcisa Cunha, foi barbaramente assassinada por serviçal, comentado por toda cidade diante do horrendo e chocante episódio.

Entre as ruas Padre Mororó e Agapito dos Santos, existe ainda o sobrado que pertenceu ao Padre Hortêncio de Medeiros, depois funcionou a Procuradoria Geral da União. Finalmente na quadra entre Agapito dos Santos e Conselheiro Estelita, a suntuosa casa do Dr. João de Deus Cavalcante; o sobrado do estimado amigo Napoleão Bastos, D. Dulce e seus filhos Roberto, Gilka, Antonio Hercílio, Vera e Claudio; Dr. João Otavio Lobo, ilustre e humanitário médico pneumologista; Capelinha e Externato Jesus Maria José; bangalô do Sr. Cecil Salgado; Hospital São João, hoje Instituto Nacional do Seguro Social - INSS; chegando na esquina da rua Guilherme Rocha esquina com a Av. Philomeno Gomes, residência do Dr. Pedro Sampaio, avô da colunista e brilhante jornalista Regina Marshall.

Da arquitetura

Em frente existia o Palacete do Sr. Pedro Philomeno Ferreira Gomes, hoje Edifício Pedro Filomeno, proprietário da Fabrica de Tecidos São José, bem próximo da Aero Praia Hotel, vizinho a Escola de Aprendizes Marinheiros, defronte a Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes. Separados pela Av. Tenente Lisboa, do Cemitério São João Batista e do primeiro Necrotério de Fortaleza, situado nos fundos do mencionado Cemitério ou ainda conhecida como Chácara do Sr. Cândido Maia - administrador por muitos anos do Cemitério.

Assim terminava a Rua Guilherme Rocha (esquina que dar encontro com Av. Francisco Sá com Av. Filomeno Gomes, que seguindo na Av. Philomeno Gomes em direção (Sul) a Rua Carneiro da Cunha, existia a residência do Dr. Luis Moraes Correia, depois Serviços de Irrigação Federal.

Vizinho, residência do ex-governador Dr. Luis Flávio Marcilio; Seguindo a família Duarte Vidal, dos meus amigos Roberto Vidal e Maria Luiza pais do Juiz Federal José Silva Vidal; próximo ao internato Bom Pastor, cuja entrada sombria até chegar a capelinha, onde se refugiavam as pessoas que tinham desviado suas condutas e, para não causarem vergonha à família, ali permaneciam até cair no esquecimento da sociedade, que a boca miúda segredavam sigilosamente fato ocorrido, proferindo sob forma de "cochicho" ou "ao pé de ouvido", o que acontecera evitando que se propalasse ou transpirasse o desvirginamento de alguma moça que dera "passo errado" e punição vinha sob forma de expurgo familiar, para reparar o horroroso e repugnante cometimento de desonra ultrajando ou maculando o bom nome da família que deveria ser reparado, muitas vezes pagando com a própria vida.

Depois com o passar do tempo e, purgado a culpa as internas do Bom Pastor, retornavam aos lares, depois de terem recebidos cursos e aprendidos trabalhos manuais sob orientação das irmãs religiosas, dentre eles bordar, costurar, cerzir e outras atividades manuais.

Marcas da moral

Assim saíam para enfrentar a sociedade como quem deixa o cárcere de um presídio, e, por ter pago a pena pelo "mal cometido". Ocorria vezes, que o fruto deste amor proibido jamais poderia transpirar quem eram os verdadeiros pais da criança, evitando manchar o nome da família ou pais do inocente que não pedira para vir ao mundo e nem poderia pagar por erro cometido.

As moças fantasmas

Fato inusitado para época se relacionava no trajar das moças recolhidas no Bom Pastor; elas se cobriam de preto, lenço na cabeça, e, nas ocasiões das missas para freqüentar teriam que usar véu no rosto, impedindo sua visão a "olho nu" ou expondo-se aos olhares e reconhecimentos de pessoas que estavam nas missas e pudessem por ventura identificá-las. Tudo isso como forma de castigar a quem cometeu "erro de desonra".

A maior lembrança se prende a antiga Praça do Lyceu ou Praça Fernandes Vieira, onde ainda hoje se encontra o mais tradicional Colégio do Ceará - Lyceu, que teve inicio em 1845, hoje com 165 anos de existência, cuja praça presta honrosa homenagem ao grande mestre imortal da Academia Brasileira de Letras - Gustavo Barroso, historiador, escritor e poeta, que merecidamente lhe cabe tamanha honraria do nome da Praça, por ter elevado o nome do Ceará aos pícaros da gloria.

Iniciando em direção ao bairro de Jacarecanga, teve o quadrilátero nos primórdios do Século XIX as mais elegantes residências que ainda hoje marcam a imponência de sua formação arquitetônica,

Rota da memória

Vale a pena recordar esta extensa rua do Centro de Fortaleza, que desde o primeiro quarteirão em direção da Praça do Ferreira, na saída do Jardim do Palácio da Luz. Assim a Rua Guilherme Rocha tinha, à época, no longo percurso, prédios de mais requintada arquitetura pertencente a gradas famílias, embalando um passado que reside, assim, em cada um de nós habitante dessa grande cidade de Fortaleza.

Saiba mais

CHAVES, VELOSO, CAPELO. (Org.) Ah, Fortaleza!. Fortaleza: Terra da Luz Editorial, 2009

GUTIÉRREZ, AZEVEDO. (Org.) Iracema - lenda do Ceará, 140 anos. Fortaleza, Editora ufc, 2005

HOLANDA, Cristina. (Org.) Negros no Ceará - história, memória e etnicidade. Fortaleza: Secult, 2009

OLIVEIRA, Ana Amélia. Juntar, Separar, Mostrar - memória e escrita da História do Museu do Ceará. Fortaleza: Secult, 2009


Trecho

TEXTO II

A Padaria Palmeira

Tirou o primeiro lugar

Vende pão a Marinha

E o Colégio Militar

E a mais duas mil famílias

Em casa particular

Fonte: Jornal Diário do Nordeste

Os pés por sobre as ruas do passado


Rua Major Facundo: neste local concentrava-se boa parte do comércio, como também espaço para o lazer como os memoráveis cinemas
FOTO: ARQUIVO DE MARCIANO LOPES
7/3/2010



A artéria principal da Cidade - Rua Guilherme Rocha (Antiga Travessa Municipal e Travessa 24 de Janeiro) à noite, mesmos aos sábados e domingos, após término das sessões de cinemas Moderno, Majestic, Diogo, Rex e Cine Luz, respectivamente pelas ruas Major Facundo (Rua da Palma), Barão do Rio Branco (Rua Formosa), Rua Gal. Sampaio (rua ) e Praça dos Mártires (Passeio Público), voltava reinar uma tranqüilidade. Poderiam ser vistas as pessoas que saíam dos cinemas e vinham em direção à Rua Guilherme Rocha, visando ser reconhecidas à grande distância; e, às vezes, ao sinal do assobio, identificadas para (como se dizia à época) "pegar o cavalinho" ou emparelhar-se com a pessoa chamada pelo assobio, a fim de caminharem juntos até o local de morada, geralmente vizinhos, entabulando conversa sobre o filme a que assistiram ou outro assunto do cotidiano.

O olho no longe

Como era linda essa Fortaleza, as suas noites!... Principalmente nos luares do mês de agosto, com a exuberante brancura da lua prateada, incrustada num céu tropical, de um azul ferrete, festejado por estrelas feito pirilampos; com sua fosforescência acendiam e apagavam, no percurso de voo, toda a luminosidade que vem cumprir no curto espaço de sua efêmera existência, mas traduzem inexoravelmente a beleza que na terra se encerra.

Fortaleza de hoje perdeu seu júbilo, uma vez que perdeu o lirismo da antiga cidade provinciana dos bondes, vendedores ambulantes; chapeados; vendedores de panelada e fígado gordo; leiteiros; amoladores de facas e tesouras; consertadores de panela de ágata e alumínio bem como frigideiras, bules e pinicos e aparadeiras, bem como o famoso papagaio e o inesquecível capitão; urinol grande - de aproximadamente cinquenta centímetros de altura de alumínio ou ágata, com tampa, colocado por detrás da porta da alcova para micção noturna; os vendedores ambulantes de óleos para cabelos, que vendiam a retalhos com medida do formato de cone em cada extremidade para servir de valor referencial para cada quantidade na venda do óleo, e o valor variava com o tipo de óleo, que, colocado em garrafa, era depositado no recipiente com o auxílio de um minúsculo funil, tudo de flandre.

Ah, não esquecer também os vendedores de lenha para cozinhar, rolinhos de lenha para fogões de ferro e ágata importada da Europa com chaleira acoplada no bojo do fogão, forno para cozinhar pé-de-moleque, bolo de milho, grude, canjica, perus, galinhas caipira, peixe e outros assados no forno.

Assim gritavam os vendedores: Olha o óleo... Tem mutamba, coco, babosa, muçambê, jasmim, coco babão, oiticica, pequi... Havia uma residência na Rua Agapito dos Santos que vendia esses produtos, tão essenciais, que eram procurados pelos vendedores.

Usos e costumes

Embora com o crescimento da população citadina fosse, assim, paralelo à chegada dos jovens depois abastados - comerciantes, pecuaristas lavradores e pessoas gradas que mandavam os filhos para estudar nos melhores colégios, geralmente internos ou pensionatos, quando retornavam, sentiam a mudanças de hábitos e costumes da terra natal. Geralmente, sob indicação de pessoas de fino trato, as moças se dirigiam aos pensionatos; e os rapazes, às repúblicas do centro da cidade.

Naquela época o vicio de fumar era considerado o pior e um dos mais condenáveis defeitos para o ser humano. Adquirir o vício de fumar era uma inclinação para o mal, abominável e até horripilante. Tanto que quando certa pessoa tomava conhecimento de alguém praticando o fumo, imediatamente procurava se esquivar daquela pessoa e havia o maior cuidado ao tornar público o fato. E quando assim ocorria de transpirar a um amigo, precavia-se em rogar com absoluto segredo quase sepulcral.

Chegava ao ouvido de quem iria confidenciar tão horrendo pecado sussurrando: "Vou lhe contar agora o que se está passando com o filho do Cel. Fulano de Tal!" - "Aquele pedaço de mau caminho, que desencabeçou a filha do compadre, gosta de beber, fazer arruaças por onde chega, engana a todos e não paga suas dívidas?" "Pois bem... É aquele mesmo... está fazendo a pior das coisas..."

E, chegando ao ouvido dizia: "Guarde todo segredo... Mas quem me veio contar não mente!" "Pois é - Vieram me dizer que ele já... já... já fuma... Que coisa!!!"

Era como se fosse a ultima coisa que uma pessoa podia fazer de ruim na vida. Fumar era mesmo que cometer um delito, ou, quase crime.

Quando alguém sabia que determinada pessoa já estava fumando procurava se precaver contra ela que estava a praticar tão horripilante vício. Até para dar a notícia do vicio de fumar escolhiam como local: - A plataforma do pavilhão do ouvido para segredar tal fato... Segundo diz a lenda, a invenção do hábito de fumar foi dos índios: misturando folhas e ervas enchiam os cachimbos de barro, de variados tamanhos, ornados por gregas e símbolos que identificavam também a tribo, e, serviam para embriagar e dormir mais rápido.

Era o sonífero de hoje que funcionava como barbitúricos que os indígenas muito antes de nós já conheciam e se utilizavam, desde então, nos seus momentos de êxtases.

Os ares da província

Mas o bom mesmo é lembrar Fortaleza nos anos 40 a 60, e, a despreocupação de seus habitantes que caminhavam a pé as altas horas da noite, desde a Praça do Ferreira, seguindo pelas paralelas ruas Liberato Barroso, Guilherme Rocha, São Paulo, Senador Alencar e Senador Castro e Silva, em direção as suas residências sem o menor sobrosso de serem molestados sob qualquer forma.

Assalto era coisa inexistente, porque reinava a tranquilidade em todos os locais. Era nessa Fortaleza de sol escaldante e luar prateado soprado pelos ventos que vinham da praia, sem pedir licença invadiam a Cidade, com amenidade causando uma autarcia a todos, cujo frescor de bem-estar ainda hoje lembrado, por noites serenas que já não temos mais, porque os tempos mudaram, deixando apenas o peito amargurado por imorredouras saudades, resistindo às procelas do cotidiano, suportando essa transformação que se opera e se desfaz dentro de cada um fortalezense, deixando um vazio que torna gigante a procurar lenitivo.

A face mítica

Ah! Praia de Iracema de tantos amantes e por todos amada. A decantada "Iracema" descrita por José de Alencar na sua obra magistral - "Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e longos do que o talhe de palmeira. O favo do jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado." Iracema - alegoria maior de nossa terra - a que se faz presente de modo indefectível: o mito é o nada que é tudo.

Iracema, que saía da Praia do Peixe e ia se postar num pedestal ao lado do seu filho Moacir, na enseada do Mucuripe, do córrego Maceió, na Avenida Beira-Mar, exibindo a protuberância dos exuberantes e sedutores seios como a própria virgem dos lábios de mel a esperar a chegada do guerreiro Branco, ouvindo o canto da graúna que vinha do alto dos coqueiros

Tal harmonia do compasso musical vem do farfalhar dos ventos entrelaçando as palmas dos coqueiros que abrigam os ninhos, orquestrando e plagiando na maviosa voz do cantor seresteiro Augusto Calheiros na canção - Prelúdios de sonata de autoria do compositor Cesar Cruz no ano de 1946 há 64 (sessenta e quatro) anos, ainda nos embala com esse hino, agora reproduzido: (Texto I)

Nessa música cada estrofe exalta além da musicalidade uma mensagem de um menestrel que vagueava próximo ao "Edifício Duas Américas", esquina da Rua Guilherme Rocha com Rua Barão do Rio Branco, onde, nos altos, funcionou a Rádio Iracema de Fortaleza, sob o comando do animador e locutor Irapuan Lima. Depois, transferiu-se, então, para Rua 24 de Maio - Praça José de Alencar.

Trecho

TEXTO I

Sinfonia música divina prece musical

Sinfonia ritmo dolente e original

Sinfonia páginas da musa de

um grande amor

Sinfonia mística orquestração

do criador

Um concerto orquestral

E belo e sentimental

Deus porque me fez poeta e

um menestrel

As estrelas lá no céu são notas

musicais

Com harmonizações originais

A lua é um disco

Em que o criador gravou uma canção

Tocada pelos anjos num conjunto

Numa grande orquestração

Há turbilhão de nuvens que

errantes vivem

Lá no firmamento

São páginas de musicas de melodia

De lua sinfonia

Prelúdio de sonata

Fugas e acordes num grande tropel

Vivem lá no espaço vagando

E se transformam

Num suntuoso vendaval

Estrelas lá no céu.

Fonte: Jornal Diário do Nordeste

domingo, 28 de fevereiro de 2010

´PRINCESA DO NORTE´ Sobral é referência para a história do Ceará.


Outro local turístico da “Princesa do Norte” é a Coluna da Hora, que fica localizada em uma praça da cidade

A história do Ceará passa, obrigatoriamente, pelo surgimento e fundação da famosa “Princesa do Norte”

Fortaleza. “A vaidade e o orgulho são coisas diferentes, embora as palavras sejam frequentemente usadas como sinônimos. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. O orgulho se relaciona mais com a opinião que temos de nós mesmos, e a vaidade, com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós”. A frase da escritora inglesa Jane Austen talvez seja a melhor definição para o município de Sobral, localizado a 230 quilômetros da cidade de Fortaleza e considerada a mais importante da região da Zona Norte do Estado do Ceará.

Por um lado, Sobral é uma cidade que, por suas características aristocráticas e monumentos um tanto inusitados (como o Arco do Triunfo erigido, em 1953, pela passagem da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima por Sobral) gera uma série de mitos sobre si e seus habitantes.

Importantes nomes

Mas, também, é um lugar que pode se orgulhar de ser o berço de nomes importantes como o escritor Domingos Olímpio, o Padre Ibiapina, a abolicionista Maria Tomásia Figueira Lima e, mais recentemente, o pintor Raimundo Cela, o humorista Renato Aragão, o músico Belchior e o político Cid Gomes, atual governador do Estado. Além disso, sediou eventos importantes como a constatação da Teoria da Relatividade de Albert Einstein, por meio de um eclipse lunar observado na cidade, em 1919.

No entanto, a história de Sobral, que detém o singelo título de “Princesa do Norte”, é bem mais antiga e complexa. De acordo com o historiador e padre Francisco Sadoc de Araújo, a ocupação das terras compreendidas entre o Rio Acaraú e a Serra da Meruoca acompanha o típico processo de colonização do interior do Nordeste.

Conforme ele explica, “O Vale do Acaraú é a segunda maior bacia do Ceará, e naquele período era impossível ocupar o sertão sem ter a garantia de uma fonte de água próxima. A proximidade da serra era um atrativo a mais, já que de lá se podia obter frutos, o que já era feito pelos indígenas que ali viviam, predominantemente os Jês”.



Arco do Triunfo foi erigido em 1953, pela passagem da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima por Sobral


Sesmarias

Segundo ele, a região foi dividida em sesmarias, concedidas a portugueses que deveriam ocupar as terras do Novo Mundo. “Teve o Manoel Goes, que perdeu parte das sesmarias por não tê-las ocupado. Ele trabalhava com a criação de gado e trouxe os parentes para cá. Mas foi Félix da Cunha Linhares, no fim do século XVII, que construiu a capela de São José da Mutuca, a primeira da região”. Sadoc de Araújo explica que capelas e igrejas eram outro importante fator de ocupação, já que era na porta dos templos que os juízes afixavam avisos importantes e, ainda, ao redor delas que os moradores formavam as primeiras aldeias.

Igreja Matriz

Por volta de 1720, o sesmeiro Antônio Rodrigues Magalhães formou, na região onde hoje fica Sobral, a Fazenda Caiçara. Fixado inicialmente em Suipé (município de São Gonçalo do Amarante), ele se instala posteriormente na fazenda e doa terreno para a construção de uma igreja em honra à Nossa Senhora da Conceição, que daria origem à Igreja Matriz de Sobral e cuja santa será, também, a padroeira da cidade.

Com o aumento do número de comunidades na Colônia, o rei português, Dom José I, no ano de 1760, lança um edital para que qualquer povoação que alcançasse 50 fogos pudesse se tornar uma vila. “Fogos eram as casas que possuíam cozinha e, portanto, chaminé, sinal de que a família estava ali fixada”, esclarece o historiador. Assim, no dia 5 de julho de 1773, a comunidade formada em torno da Fazenda Caiçara é elevada à vila, chamada de Vila Distinta e Real de Sobral.

“Sobral foi uma das poucas vilas que tinham esse título de Distinta, dado a locais onde só havia brancos”, recorda. Já o nome de Sobral significa abundância de sobreiros, uma árvore de Portugal de cujo tronco se extrai a cortiça, utilizada para engarrafar vinhos e outras bebidas. “Para mim o nome vem da região portuguesa de Sobral da Lagoa, em Portugal, como uma homenagem à terra de muitos dos colonizadores”.

Fidelíssima

Em 1841, Sobral recebe o título de Fidelíssima Cidade Januária do Acaraú, por ter dado apoio político ao então presidente da província do Ceará, José Martiniano de Alencar (pai do escritor José de Alencar), contra uma tentativa de deposição. Porém, três anos depois, a cidade volta a se chamar Sobral.

É a partir do século XIX que Sobral ganha destaque econômico e cultural. Além do proeminente comércio, a cidade fez parte da chamada “civilização do couro”, exportando o produto por meio do Porto de Camocim. É por conta desse comércio que é instalada a primeira estrada de ferro do Ceará. Na segunda metade do século XIX, o desenvolvimento de Sobral chegava a superar o de Fortaleza. “Era pelo Porto de Camocim que chegavam as novidades da Europa, e Sobral experimentava tudo isso primeiro”, comenta o historiador e padre Francisco Sadoc de Araújo.

As famílias mais abastadas tinham acesso à “última moda”: porcelanas, lustres, vestidos, livros, pianos, máquinas de costura, entre outros. Os sobrados eram construídos seguindo a arquitetura de Recife e São Luís, com janelões e azulejos. Em 1877, as corridas de cavalos à moda londrina têm lugar no Jockey Club de Sobral, depois chamada de Derby Club. “Apesar de não ser aceito, este foi o primeiro jockey club do Brasil”.

Atualmente, Sobral se destaca pelo comércio e pela indústria, que fornece produtos como cimento e calçados. O período áureo de abastança já se foi, mas a cidade mantém a aura de imponência e orgulho de sua trajetória e realizações. “Não é uma questão de bairrismo, e sim de orgulho. O sobralense tem essa coisa de sempre tentar ser melhor em tudo. Pode até não ser o melhor, mas se esforça para ser. Mas o fato é que a cidade sempre teve um papel hegemônico, não é problema de vaidade”, defende o historiador Sadoc de Araújo.

LIGAÇÕES AFETIVAS

Orgulho de ser cidadão sobralense



Quem é ou mora na cidade de Sobral, faz de tudo para mostrar o amor e o carinho pela sua terra natal

Fortaleza. Para quem é de fora, a característica mais marcante do sobralense é o sentimento de pertença em relação ao município, que chega muitas vezes a ser visto como exacerbado, quando não um indicativo de arrogância e de pretensa superioridade. Trocando em miúdos, "sobralense se acha", no dizer popular. No entanto, as ligações afetivas formadas entre os habitantes com suas cidades são bem mais complexas do que as máximas do anedotário podem comportar.

"Em qualquer município existe este sentimento de pertença da população, mas, no caso do município de Sobral, isso se tornou uma política pública a partir da mobilização pelo tombamento da cidade, no fim dos anos 90", esclarece Nilson Almino de Freitas, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e autor da tese de doutorado, "O Sabor de uma Cidade: práticas cotidianas dos habitantes de Sobral".

Percepções

Segundo ele, a pesquisa busca identificar as diferentes percepções sobre a cidade de Sobral, principalmente daqueles que vivem na periferia da cidade, e tem como objeto depoimentos orais de quem vive ali.

"No ano de 1995, quando vim de Fortaleza para cá, para trabalhar na Universidade Estadual Vale do Acaraú, uma coisa que me chamou a atenção foi essa ´sobralidade´, que, no entanto, é um conceito indefinido, impreciso. É possível perceber que esse sentimento de pertença se desenvolve a partir do lugar onde as pessoas falam. A relação de uma pessoa que mora no Centro ou que possui gerações da família vivendo aqui é diferente, por exemplo, do sentimento de quem vem de outras cidades ou vive na periferia. Nesses dois últimos casos, mesmo passando a se sentir um integrante do lugar, as ligações com o bairro e a comunidade costumam ser mais valorizadas do que com a cidade", comenta.

Na época também foi iniciada a luta para que o município de Sobral fosse tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o que deu grande visibilidade ao município e também induziu a execução de políticas públicas em prol da preservação, com restaurações e obras de infraestrutura. Porém, as "benfeitorias" realizadas na cidade no período não eram vistas da mesma forma pelos diferentes grupos sociais.

Contraste

O contraste já começa entre as margens esquerda e direita do Rio Acaraú, berço da cidade: da primeira, urbanizada e detentora de equipamentos culturais, como o Museu Madi e a Biblioteca Pública, avista-se no outro lado um bairro de periferia, o Dom Expedito, algo contraditório com a perspectiva de beleza e ordem que se tentava imprimir ao local.

"As obras de urbanização da margem esquerda do Rio Acaraú causaram muita polêmica no período, porque a justificativa da Prefeitura era a de revitalizar o espaço", disse o professor.

De acordo com ele, "antes da urbanização, havia um banco de areia nas margens e a comunidade que vivia ali utilizava o espaço como praia nos fins de semana. As lavadeiras também secavam as roupas no local. Um pai-de-santo que eu entrevistei contou que ele realizava as festas de Iemanjá na margem do rio e não concordava com a ação". Ele ainda questiona, "então, como revitalizar um espaço que era, de fato, utilizado?".

Insistência

Mesmo depois das obras, muitas lavadeiras insistem em secar as roupas no local, onde hoje há um verde gramado. E os canoeiros, com suas rústicas e simples embarcações, continuam a fazer o transporte de pessoas entre as margens do rio parcialmente perenizado, dividindo espaço com os jet-skis.

Para Nilson de Freitas, apesar das obras terem buscado contemplar a cidade como um todo, não é difícil identificar dois tipos distintos de política para o Centro e para os bairros. "No Centro, percebe-se uma preocupação com a preservação dos sobrados, dos prédios antigos e das igrejas. Na periferia, o foco é no saneamento e na organização das ruas. Não que essas ações não sejam importantes, mas e a preservação? No Bairro Terrenos Novos, existe o Açude Mucambinho, que foi construído na mesma época que o Açude Cedro como parte de ações de combate à seca de Dom Pedro II. Apesar disso, o açude não foi tombado e não há qualquer indicação da importância daquele local", lamenta o professor.

Polêmica

Outra polêmica envolveu uma das principais praças do município de Sobral, que foi reformada e ganhou novo nome. Conhecida popularmente como Praça da Meruoca, onde funcionou por muitos anos um comércio de ambulantes, a Praça General Tibúrcio foi transformada, no final de 2004, em Praça de Cuba, fruto de um Convênio de Cooperação Cultural e Científico celebrado entre Sobral e a província de Havana. Segundo Nilson, muitas pessoas criticaram a mudança de nome da praça. Dizia-se então que um herói nacional, filho da terra (General Tibúrcio nasceu em Viçosa do Ceará, estudou na "Princesa do Norte") seria preterido por um estrangeiro, no caso o poeta cubano José Martí, que ganhou uma grande escultura no centro da praça.

Para o professor da UVA, "todos esses casos demonstram que o sentimento em relação a uma cidade é bem complexo e que não há um consenso sobre essa pertença".


"ARQUITETO DE SOBRAL"
Dom José ajudou no crescimento

Fortaleza. Se Juazeiro do Norte tem o Padre Cícero como referência tanto religiosa quanto para a formação da cidade, em Sobral este papel coube a dom José Tupinambá da Frota. Primeiro bispo de Sobral, dom José foi responsável pela expansão e desenvolvimento da cidade a partir da introdução de equipamentos de cunho educacional, cultural e social, sendo ainda hoje bastante lembrado pelos sobralenses como o "arquiteto de Sobral".

Representantes de dois modelos distintos de atuação da Igreja Católica na formação do espaço urbano (originando, por conta disso, uma disputa de primazia entre os dois municípios que perdura até os nossos dias), a trajetória dos dois religiosos é objeto de estudo de "Cidades Sagradas: a Igreja Católica e o Desenvolvimento Urbano no Ceará (1870-1920)", tese de doutorado do historiador e professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Agenor Soares e Silva Júnior.

Para Agenor Soares, além do aspecto econômico, a formação das cidades cearenses está muito ligada à atuação da Igreja Católica, já que muitas concentrações populares se formavam em torno dos templos religiosos. "Antes de dom José assumir a Diocese, já havia uma forte presença religiosa na Região Norte, principalmente de padres seculares (que não são ligados a uma ordem ou congregação). Ele representa, portanto, uma Igreja que busca se reorganizar diante da introdução do Estado laico, e que passa a atuar sob a estrita tutela de Roma. Bem diferente do Padre Cícero, que exerce uma liderança vista então como independente", pontua ele.

Segundo o historiador, à época dos "milagres do Padim" e da fundação de Juazeiro, dom José Tupinambá defendia com veemência o fim do que considerava um reduto de fanáticos e que poderia vir a se tornar uma nova Canudos, em referência à cidade fundada pelo beato Antônio Conselheiro, na Bahia. Em contraposição a um movimento de religiosidade popular, o bispo investiu na expansão da cidade a partir de uma visão europeizada, um "mini Vaticano", segundo a expressão daqueles que conviviam com o bispo à época. "Há um redimensionamento da cidade, que passa a crescer para os lados da Lagoa da Fazenda, que foi parcialmente aterrada para dar caminho ao Seminário São José, e a Santa Casa, que fica do lado oposto. Não foi difícil, já que Sobral já tinha uma característica mais aristocrática. Houve um tempo em que os recursos da Diocese de Sobral eram maiores que os da própria Prefeitura", comenta Agenor Soares.

Apesar de nunca ter participado formalmente da vida política, dom José sempre teve uma forte influência nos rumos do município e conseguiu, inclusive, fazer prefeito o afilhado, padre José Palhano de Saboia. "Padre Cícero foi o primeiro prefeito de Juazeiro, mas estava mais preocupado com a questão religiosa do que com a administrativa. Os romeiros que passaram a ocupar e viver em Juazeiro é que deram a feição atual da cidade. Em Sobral, essa expansão foi mais dirigida a partir das instituições que ele fundou". E mesmo com o caráter filantrópico de várias delas, percebe-se que é uma política voltada para o controle social, promovendo uma cultura para os "de cima".

Opositores não foram muitos, mas pelo menos um deles deu dor de cabeça ao bispo: o jornalista Deolindo Barreto Lima, que atacava a Diocese e os inimigos políticos por meio do jornal "A Lucta". O jornal chegou a ser boicotado pela Diocese e seu diretor acabou sendo assassinado em 18 de junho de 1924 por inimigos políticos. "Na verdade, a questão entre dom José e Deolindo Barreto era mais política do que pessoal, já que este era do Partido Democrata e anticlerical convicto. O fato é que dom José conseguiu imperar e manter sua posição até a morte. Os demais bispos que o seguiram não tiveram a mesma importância para os sobralenses", finaliza.


Fique por dentro
Obras do religioso

Filho de uma família abastada, dom José nasceu no dia 10 de setembro de 1882. Estudou na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, onde recebeu o grau de Doutor em Teologia e Filosofia em 1902, com apenas 20 anos de idade. Antes de se tornar bispo (a Diocese de Sobral foi criada em 1916), foi vigário da cidade durante oito anos. Permaneceu no cargo até a morte, em 1959. Durante seus 43 anos de bispado, trabalhou principalmente na fundação de instituições e obras de beneficência, como o Seminário Dom José (que deu origem à UVA), os colégios Sant´Ana (para moças) e Sobralense (para moços), a Santa Casa de Misericórdia, o Museu Diocesano, o Abrigo Coração de Jesus (para idosos), além de veículos de comunicação como o jornal Correio da Semana (jornal mais antigo do Ceará em atividade) e a Rádio Educadora de Sobral.


Fonte: Jornal Diário do Nordeste

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